Numa entrevista ao JORNAL DE LEIRIA (JL) de há 100 anos, Tito Larcher (TL) depois de alguns comentários mordazes sobre o comportamento dos leirienses face ao recém nascido Museu de Leiria de que era director, volta-se para a poderosa Associação Comercial, na pessoa do seu presidente, Adolfo Augusto Leitão, a quem tinha pedido ajuda para o transporte de algumas obras resgatadas a muito custo, “(…) mais de mil volumes para a Biblioteca, entre os quais algumas obras de grande valor”, quadros, esculturas em madeira e outros objectos.
O episódio central, histórico na sua asnice, é, por si só, um tratado: “(…) Quanto precisa? – me perguntou o sr. Leitão.– Cem escudos, aproximadamente, e talvez não cheguem, mas combinando-se com a Junta Geral do Distrito…
Entre as duas corporações era pequeno o sacrifício.– Isso é muito, porque a Associação Comercial está muito pobre (!!!) (…) Mas, olhe lá, então o que pretende trazer é muito?(…)” TL, enumera detalhadamente o espólio: “(…) Pois isso pode o meu amigo – respondeu o sr. Leitão – trazer com despesa muito menor, pagando só os transportes.
[LER_MAIS] Aluga carros com taipais, pede na estação ao chefe para lhe ceder um vagão fechado, e depois uma galera conduz tudo da estação para o Museu !!!
O presidente da Associação Comercial – diz-nos ironicamente o sr. Larcher – esquecera-se da natureza dos géneros que tencionava trazer para a Biblioteca e Museu e confundia-os,como vinham de perto de Peniche, com barricas de sardinha em salmoura, ou cação sêco [sic].
”Trata-se do espólio sobrevivente recolhido da casa Congreganista de S. Bernardino de Peniche cuja incorporação tinha sido autorizada já em setembro de 1916. Não havia, é claro, verba para o transporte.
Em Janeiro de 1918, TL solicita-a ao Município e em Março ao Governador Civil, em vão. Só em Março de 1927 o transporte se viria a concretizar [ c.f. Sousa, Acácio de; Vinagre, Ana Bela, TitoLarcher: A Luta do Filantropo Austero e Erudito, Leiria: ArquivoDistrital, 1997, p. 52].
“Isso parece inacreditável !” exclama o anónimo entrevistador. “ (…) Pois mais coisas extraordinárias terá de saber, se quiser aturar-me – interrompeu o sr. Larcher (…)”.E a mim também.
*Dramaturgo