Depois de meses de obras, as máquinas de pavimentação entraram, na semana passada, no percurso Polis, em Leiria. O resultado está a ser contestado, nomeadamente por arquitectos e urbanistas, que criticam o tipo de piso adoptado.
A Câmara já veio garantir que “não é alcatrão”, mas sim um betuminoso com “elevado grau de permeabilidade”, e que cumpre “as condições estabelecidas pela licença de utilização do domínio hídrico emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Entretanto, a APA que, em 2018, deu parecer favorável ao projecto de requalificação do Polis, revelou, ao JORNAL DE LEIRIA, que irá “averiguar o tipo de materiais que estão a ser implementados em obra”. O objectivo é apurar se são os mesmo que estavam previstos no projecto sujeito a análise e que “eram compatíveis com os ecossistemas em apreço”.
Ao JORNAL DE LEIRIA, a Câmara assegura que a solução adoptada era a que estava na memória descritiva e que garante “uma rápida drenagem de águas em caso de pluviosidade”. O Município refere ainda que o pavimento terá “um acabamento colorido de modo a diferenciar a via ciclável da via pedonal”.
Impacto visual “chocante”
“O impacto visual agora é chocante. Não sei se a pintura o pode minimizar”, afirma a arquitecta Ana Bonifácio, que esteve ligada ao Polis Leiria, lamentando que não tenham sido utilizados “materiais naturais”, como aqueles que estavam no local.
“O Polis foi inaugurado em 2007 e já estava aberto antes. O piso aguentou bem. É normal que, ao fim destes anos, haja necessidade de manter”, reforça a técnica, que chama a atenção para o facto de a pintura do pavimento poder diminuir a permeabilidade do piso.
Quem também não se conforma com a solução adoptada é Rui Ribeiro. [LER_MAIS] O arquitecto diz “ter dúvidas” em relação ao grau de permeabilidade do pavimento e adverte para a “irradiação de calor” que este irá provocar no Verão. “Preferia um piso menos resistente, mas mais adequado ao percurso, que faz parte da natureza. Não é para termos um pavimento clean, mas algo condizente com a envolvência”, defende, considerando que a Câmara deve, “sem dúvida nenhuma”, rever a opção no restante troço do Polis, que também será requalificado. E acrescenta: “Nada é irreversível, nem aquele pavimento ”.
Autor do projecto inicial de dois dos troços do Polis, nomeadamente daquele que está em obras, João Nunes diz-se “triste” pelas alterações introduzidas “sem revisão do projecto”, frisando que se trata de uma zona que tem de ser trabalhada “com delicadeza, o que não foi o caso”.
E nem mesmo a garantia da Câmara de que o piso “não é alcatrão”, tranquiliza o arquitecto, até porque, adverte, “nos pavimentos porosos, a partir de certa altura, há o preenchimento do vazio”, reduzindo a permeabilidade.
“Daqui a dez anos, será esse o caso. Se acontecer uma cheia, ficamos com tudo destruído de uma vez. Era preferível ir fazendo manutenções em pisos aparentemente menos resistentes”, alega.
Além dos materiais escolhidos, tanto Ana Bonifácio como João Marques da Cruz consideram que está também em questão o uso do Polis, que passará a ter duas pistas definidas, uma para bicicletas e outra para peões.
“O Polis tornou-se um corredor verde com muito sucesso, mas o sistema natural ribeirinho é frágil e está reduzido apenas ao espaço das margens. Portanto, não suporta tudo o que se gostaria de lá instalar. A solução é ramificar o Polis pela cidade e aliviar a carga excessiva de circulação e funções que as margens do Lis estão a sofrer”, defende João Marques da Cruz.
O arquitecto entende ainda que, “como todas as cidades modernas, Leiria tem de recuperar o equilíbrio entre o Homem e a Natureza” e que isso “será determinante para a qualidade da cidade e do território.