É já a personagem que fala: “Viemos de longe, muito longe, não sabemos de onde, ninguém sabe”. Mais uma edição da recriação histórica Leiria Medieval e mais uma presença do projecto CaosArte, com guitarra de Sérgio Cardoso e voz de Carmo O’Neill, a mostrar na igreja do castelo temas originais que evocam um ambiente de cariz antigo.
No sábado, juntam-se a Orlando Esperto, e a encenação tem como dispositivo uma espécie de caixa de música deambulante, com dois metros de altura, que também os coloca na pele de saltimbancos.
Os Caosarte, que se estrearam em 2018, precisamente, no Leiria Medieval, e ao longo dos anos se apresentaram noutros eventos semelhantes fora do concelho, juntam-se ao extenso leque de jograis, actores e mercadores que vão entreter quem passa com sons e poesia, teatro, animação de rua e outros folguedos, sem esquecer, por outro lado, a gastronomia, as lutas de espadas, a falcoaria, o mercado e o acampamento militar.
Enquanto a internet arde com teorias sobre a grande substituição, Leiria regressa, assim, esta quinta-feira, ao ano de fundação do castelo: 1135. O ano é importante na história do país, não apenas na história da cidade, salienta o dramaturgo Luís Mourão, que coordena o programa que se prolonga até domingo, 21 de Julho. “Este território onde nos encontramos hoje era um território completamente dominado pelos mouros”, diz ao JORNAL DE LEIRIA. E a fortaleza “de importância estratégica enorme” erguida entre os rios Lis e Lena “possibilita, de facto, o crescimento daquilo que é o Condado Portucalense e depois, a seguir, aquilo que há-de ser o Reino de Portugal”, assinala. “Sabemos quem é o dono da obra, sabemos que é o conde D. Afonso Henriques, porque é ele que decide que se avança para sul. É um gesto de defesa de Coimbra mas é sobretudo um gesto de penetração em território completamente hostil”. Logo na década seguinte, a ofensiva cristã alcança Santarém e dá-se a tomada de Lisboa.
O que se conhece sobre Leiria em 1135? Quase nada. Mas há uma figura acima de todas as outras em destaque no Leiria Medieval: Paio Guterres, capitão do exército. “O único nome referido” na “pouca documentação” disponível, explica Luís Mourão. A reconstituição da chegada do primeiro alcaide está agendada para hoje, com início às 21:30 horas e cortejo da vila para o castelo. O contexto científico é dado pelas conversas em que nos próximos dias participam os historiadores Saul António Gomes (cujo trabalho, segundo Luís Mourão, é a principal fonte a que recorre o Leiria Medieval) e João Gouveia Monteiro, ambos da Universidade de Coimbra, mas, também, Catarina Fernandes Barreira, da Universidade Nova de Lisboa.
“Não é muito habitual fazermos século XII por esse país fora, é mais vulgar século XIV, século XV”, realça Luís Mourão. Outro desafio em 2024: o “orçamento minimalista”. “Já houve cortes no ano passado e este ano houve mais cortes”. Mesmo assim, “consegue-se fazer e consegue-se fazer bem, com dignidade”. O público esperado pelo município torna o Leiria Medieval num acontecimento de massas. Entre o que é ensinado na escola e o que chega, com maior ou menor mitificação, através da televisão e do cinema, continua a verificar-se “uma atracção muito grande pelo período da história de Portugal que é a Idade Média”.