Na questão catalã, a todas as contradições e irracionalidades de ambas as partes sucede agora, depois do referendo, da violência incontrolada do governo de Madrid e do caudal de eventos que se lhes seguem, mais do que os arranjos partidários para as eleições de Dezembro ou uma avisada reflexão sobre o que vai acontecer depois, sucede agora, dizia, um fluxo contínuo de intimidações e permanente menosprezo por qualquer posição contrária.
Não é de admirar portanto que “El País” tenha publicado no domingo passado um editorial indignado contra o uso de adjectivos pejorativos como “fascista” ou “franquista” para classificar a errática actuação do governo espanhol (não Espanha, diga-se já agora).
“Franco ha muerto: Ningún ataque de retórica guerracivilista justifica atribuir a España comportamientos fascistas” intitula-se.
É um pedaço de prosa particularmente interessante porque insiste numa leitura cega da realidade e comenta parte, do que foi (e é) dito, esgrimindo só argumentos retóricos medíocres – por exemplo, dizer que a destituição de um governo e de um parlamento democraticamente eleitos, a prisão de grande parte dos seus membros, o controlo total das suas forças de polícia e segurança, o cerco destruidor ao seu tecido produtivo são comportamentos “franquistas”, “fascistas” ou “protofascistas” não é, como quer crer o “El País”, o mesmo que dizer que a chanceler alemã é “nazi”.
[LER_MAIS] Mas também porque o que realmente quer dizer é que a esmagadora maioria dos espanhóis não é “franquista” e tem todo o direito de se indignar contra aqueles que lhes chamam o que não são. Se o tivesse dito não podia senão aplaudir.
Não é fácil encontrar em tempos de grande crispação uma análise equilibrada e justa sobre eventos em curso. Eu tenho as reportagens de Hannah Arendt para o “New Yorker” sobre o julgamento do nazi Eichmann, que acaba de ser republicada pela Ítaca – Eichmann em Jerusalém: Uma reportagem sobre a banalidade do mal – , como uma espécie de ideal da observação crítica aplicada ao jornalismo.
É sempre bom podermos dizer “Vês como é possível”. Porque não é da dureza, mas da transparência e das suas múltiplas faces que se fazem os diamantes.
*Dramaturgo