The Undertaker, Triple H ou Rey Mysterio são nomes que estão na memória de diversos portugueses, agora já adultos, mas que por volta da primeira década de 2000 eram crianças ‘coladas’ ao ecrã da TV todos os sábados de manhã, a ver mais um episódio do WWE: Smackdown.
A ‘febre’ do wrestling levava miúdos e graúdos e acordar cedo ao fim-de-semana – um hábito saudável, é certo – para assistir a um programa de luta livre onde, apesar das grandes quedas, gritos e murros, tudo não passava de uma encenação.
À medida que ficavam mais velhas, as crianças iam percebendo que todas as lutas eram teatrais, havia um enredo por detrás e as discussões entre lutadores não passavam de textos decorados. Para muitos, o interesse desapareceu, contudo, no caso de Paulo Cruz, a descoberta destes combates encenados aumentou-lhe a curiosidade.
“Tinha uns cinco anos e experimentava em casa, com o meu primo. Dava muitas dores de cabeça aos meus pais. Estamos a falar de camas partidas, sofás rebentados, atiravamo-nos um para cima do outro”, recorda o atleta leiriense, que hoje, já com 24 anos, tem no wrestling uma das suas actividades principais.
Naquela altura, havia famílias com TV por cabo e Paulo Cruz ainda não tinha acesso a esse ‘luxo’. “Atribuo muito a minha paixão ao wrestling por ter sido privado [de ver] quando os meus colegas não foram. Queria ir a casa deles só para ir à Sport Tv ou à SIC Radical ver o programa”, revela.
Quando finalmente teve este serviço instalado em casa, na mesma altura que percebeu que todas as lutas eram encenadas, o interesse por este desporto cresceu.
Desporto? Paulo Cruz apelida-o de “arte”, antes de ser um desporto. “Tudo bem que há actividade física no wrestling que faço, e é muita. Mas, no fundo, acaba por ser mais um espectáculo do que um combate”.
Como é de imaginar, não há muitas entidades a promover o wrestling em Portugal. Na verdade, existem três promotoras – no Algarve, Margem Sul e Lisboa – que organizam os combates, preparam a história e atribuem os prémios.
Paulo Cruz deparou-se com a promotora de Lisboa quando, em 2017, cumpriu o sonho de ver um espectáculo da WWE (World Wrestling Entertainment) no Campo Pequeno. “Foi a primeira vez na vida que tive de trabalhar para conseguir alguma coisa. Queria o melhor bilhete de todos, o VIP”.
Assistiu aos combates com uma vista privilegiada e o título de campeão à frente. No final, encontrou-se com os wrestlers mais famosos e pensava que a sua noite tinha ficado por aí, mas não.
“Aparece-me um panfleto à frente a dizer ‘Vem treinar, aqui treina o campeão nacional de wrestling’. Nesse momento, decido que vou para Lisboa”, conta.
O jovem – que desde os seis anos praticava kempo – terminou o ensino secundário e foi estudar Engenharia Electrotécnica no Técnico de Lisboa.
Aprender golpes e quedas básicas foi o primeiro passo. “Foi fácil integrar-me na parte da componente física. Aprender as quedas é um bocado difícil porque o corpo não está habituado a cair”, reconhece.
Com as noções básicas aprendidas, a seguir vem a parte do teatro, da “dança”. “Tem de se saber fazer o movimento rápido, chegar ao limite e controlar. Temos de fazer barulho na mesma. São elementos que treinamos todas as semanas”, explica.
“O wrestling é a fingir, é a ilusão da competição. É como se fossemos ver um filme. Temos a perfeita noção que aquilo não está mesmo a acontecer, é o que chamamos de suspensão da descrença, porque ficamos imersos na experiência. No wrestling, diria que é ainda mais fácil fazer isso, porque é ao vivo, nós estamos lá”, descreve.
Nos combates, este leiriense assume o nome de Paulo “Knock Out” Cruz e afirma que “a atmosfera do público é que faz o espectáculo”.
Wrestling cresce em Portugal
Esta é uma modalidade que está a crescer. Antes da pandemia de Covid-19, os combates contavam com cerca de 150 pessoas a assistir. Agora, há combates que já são vistos por 500 fãs, algo que entusiasma o wrestler leiriense.
Tal como cada combate é encenado, também o fim da história está decidido. Os atletas já vão para cada luta a saber quem vence e quem perde, algo que não desmoraliza, porque ganhar “não é o objectivo”.
Durante a semana, este atleta dedica-se ao wrestling e, aos fins-de-semana, Paulo Cruz regressa a casa para treinar kempo no MK – Elite.
No futuro, Paulo Cruz pretende dedicar mais tempo a esta arte, ganhar forma e viajar pela Europa para participar noutros combates.