Conceição Duarte, de 86 anos, Sebastiana Valadas, de 82 e Armando Cruz, de 77, são alguns dos idosos que esta terça-feira se encontraram na sede da associação Atlas – People Like Us, no edifício Ivima, na Marinha Grande, para jogar, recordar velhos tempos, ginasticar a memória e estreitar amizades.
Conceição, que trabalhou no campo, também foi servir para Lisboa e até trabalhou numa fábrica de teares. Lembra-se bem de quando, em menina, saltava à corda, brincava à macaca e ao pião. Hoje, na sede da Atlas mata as horas e a solidão com o jogo Quatro em Linha. Sebastiana, traída pela visão, tem aqui passatempo diferente. Ouve e responde com exactidão ao Verdadeiro e Falso. “Gosto muito de vir aqui”, explica a octogenária, viúva, e que vive sozinha.
Armando, antigo vidreiro, começou a trabalhar aos 8 anos. “Pouco tempo tive para brincar”, confidencia. “Jogava à [LER_MAIS]bola, mas descalço. O meu pai era sapateiro e não queria sujidade nos sapatos.”
Um projecto, várias conquistas
Patrícia Ferreira Silva e Sara Dias são as assistentes sociais que estão a coordenar o projecto LudicIDADES, desenvolvido desde Fevereiro de 2024 pela Atlas, com idosos de Leiria, Marinha Grande e Pombal, envolvendo perto de 40 pessoas, com idade média de 80 anos, orientadas por uma dezena de voluntários.
A iniciativa, explica Patrícia Ferreira Silva, foi criada com o objectivo de combater a solidão de pessoas idosas que vivem nos seus domicílios, muitas delas em situações de vulnerabilidade económica e social. Financiado pela Fundação La Caixa, através do programa BPI Sénior, o projecto integra várias componentes. O primeiro é o denominado laboratório de jogos, oficinas de literacia para o jogo, oficinas de co-criação de jogos analógicos, de tabuleiro.
Em articulação com a spin off AGILidades (experiente na concepção de jogos de motricidade e de estímulo cognitivo), os voluntários da Atlas incitam os idosos a criar personagens, enredos e jogos. “É uma forma de os retirar de casa, dar-lhes rotina, fazer com que tenham algo por ansiar. É uma forma de promover o seu bem-estar, o convívio, estimular relações de amizade para que reduzam os sinais de depressão que decorrem do seu isolamento”, contextualiza Patrícia.
A segunda vertente do projecto é, ao longo das várias sessões, levar os idosos a brincar com os jogos que desenvolveram ou outros. A terceira componente do LudicIDADES consiste no atelier de escrita biográfica, que permite aos idosos resgatar memórias da sua infância, do seu brincar (ou da falta dele), e de como essa experiência teve importância no seu papel de pais e de avós, prossegue a assistente social.
“Muitos deles não tiveram oportunidade de brincar, porque começaram a trabalhar e a cuidar dos irmãos muito cedo”, constata Patrícia. “Como se o brincar não fizesse sequer parte do seu dicionário.”
Destes encontros resultou a criação de um jogo, elaborado pelos idosos, que será usado por eles e por outros grupos em futuras sessões.
Além disso, as memórias partilhadas pelos idosos, por meio das suas narrativas orais, culminaram na criação de um livro, que será publicamente apresentado. Dia 31 de Janeiro, pelas 15 horas, na FNAC do LeiriaShopping, no evento de encerramento do projecto LudicIDADES, serão apresentados os resultados e as diferentes fases desta iniciativa, assim como alguns testemunhos de participantes que vivenciaram este projecto. O impacto da iniciativa na comunidade é relevante, observa a assistente social. A face mais visível é a disposição que alguns idosos demonstram, para participar neste projecto, quando o tinham iniciado sem grandes expectativas.