No Largo da República, Ti Miguela sentava-se debaixo do chapéu de sol e esperava que os miúdos chegassem das aulas. A rapaziada da Vieira ia lá comprar os rebuçados que vinham embrulhados em cromos de jogadores da bola. Era sempre uma animação quando calhava a figura de um craque a sério ou então o “número da lata” que dava direito à caderneta.
No anos setenta do século passado, aquele largo era o centro da vila para tudo. Tinha o Café Liz, tinha a igreja e a tele-escola, o quiosque e o cine-teatro. Era o local das conversas entre os cidadãos da freguesia, não muito diferente do que hoje se passa, aliás.
Mas para a miudagemtinha um carisma adicional, pois servia de campo de bola, com os bancos de jardim colocados nos extremos a funcionarem como balizas. E era lá que Luís Castro passava grande parte do seu tempo livre enquanto criança.
Joaquim Rodrigues era – e ainda é – um dos amigos mais chegados do treinador do Vitória Sport Clube. A amizade floresceu quando começaram a jogar juntos nos escalões jovens do Industrial Desportivo Vieirense, tinham “uns dez anitos”, era treinador o “senhor Graça”.
“Chamava-lhe Beckenbauer. Jogava a defesa-central e corria com a bola nos pés, sempre de cabeça levantada, com muita classe. Está a ver a serenidade que ele hoje demonstra em tudo o que faz? Aquela tranquilidade que hoje transmite, já na altura a tinha.”
A família de Luís, oriunda de Mondrões, Vila Real, chegara à terra uns tempos antes, tinha o menino cinco anos. O pai, sargento da Força Aérea, fora colocado na base aérea de Monte Real, e a mãe, professora primária, encontrou colocação na escola da Vieira.
A primeira casa onde residiram era um rés-do-chão na rua da Fonte Santa, a não mais de 50 metros do largo. Sempre foram vistos como pessoas “calmas, simpáticas e acessíveis”.
Luís Castro, o mais velho de três irmãos, com uma educação “forte” em casa, era assim. Mesmo na adolescência “não foi rapaz de noitadas e de copos”. “Beber, só laranjada e gasosa”, sublinha Joaquim Rodrigues, Quim para o treinador do Vitória e Berranha para a Vieira em peso.
“Teve os seus namoricos, como todos tivemos, e ficava no largo à espera de ver as miúdas a saírem da tele escola, mas era muito pacato.”
“Excelente aluno”, optou por estudar em Leiria a partir do 5.º ano. Apanhava o autocarro de manhã, bem cedinho, e regressava à noite.
Entretanto, aos 16 anos, com a tal classe que demonstrava dentro de campo, mudou-se do Vieirense para a União de Leiria e era um dirigente do clube que à noite o levava de volta à vila, com mais alguns jogadores da terra, entre os quais Quim, que jogava a ponta-de-lança.
Apesar de serem de turmas diferentes, o futebol unia-os. “Ele ia para minha casa, eu ia para casa dele. Brincávamos no largo da igreja, jogávamos à mosca ou ao futebol até termos de ir jantar.”
No Verão, “eram horas e horas” de praia. Percorriam a distância a pé, para um lado e para o outro, sempre na esperança que surgisse uma boleia.
Chegados ao areal instalavam-se sempre no mesmo sítio, “em frente ao que é hoje o Hotel Cristal”. Tomavam banho e, como não podia deixar de ser, jogavam futebol e também voleibol.
“Chegava a ser um grupo de uns 30 ou 40. Os rapazes iam juntos, depois chegavam as meninas. Era giro, elas levavam o lanche e nós partilhávamos”, recorda Joaquim Rodrigues.
[LER_MAIS] Tomé Fèteira
Entretanto, após o 25 de Abril, a família de Luís Castro mudou-se de uma casa… para uma mansão. “Pela amizade que os pais tinham com a família de Lúcio Tomé Fèteira, acabaram por ir viver para a quinta.”
A casa do milionário, cuja fortuna continua a ser alvo de disputa, estava desabitada e mudança serviu para evitar que fosse ocupada, como já tinha acontecido com a fábrica.
“Tinha piscina, campo de futebol de cinco em saibro… Passei lá muitos bons bocados com o Castro, com o João Paulo e com o Vieira. Cheguei a comer umas omeletas especiais preparadas por ele”, conta o amigo.
Até que, aos 19 anos, já como futebolista profissional da União de Leiria, os caminhos de Luís Castro começaram, lentamente, a afastar-se da Vieira. Pouco tempo depois acabaria por rumar precisamente ao Vitória de Guimarães e os pais regressaram às origens.
Ainda assim, os tempos felizes que passou jamais foram esquecidos. “Volta e meia aparece. Foi um lugar que o marcou. No fundo, acabaram por ser 15 anos na altura em que a personalidade de um rapaz se forma e em que os amigos ficam para a vida”, explica Rodrigues, que ainda hoje fala regularmente com o treinador.
“Há uns tempos pediu-me números de telefone de malta amiga do nosso tempo. Devia estar nostálgico.”