Leia aqui a segunda parte da entrevista
Quais os principais marcos destes 45 anos de Académico?
Um dos momentos que marca o Académico é, desde logo, a sua nascença. Fomos a primeira associação jovem criada em Portugal e ainda nem sequer havia esse estatuto. Tínhamos 13, 14, 15 anos e só viríamos a legalizar o clube em 1979/80. Começámos por uma brincadeira no Verão de 74. Era habitual nos principais bairros de Leiria organizarem-se equipas de futebol para se fazerem torneios. Em 75 organizámos uma prova de atletismo. Praticávamos tudo o que nos desafiavam. Foi em 2003 que nos tornámos numa instituição particular de solidariedade social e que decidimos a viragem para a área social, reduzindo a componente desportiva, que a partir de 2008 resultou na ausência de desporto federado. Entendemos que o dinheiro que gastávamos em competição desportiva devia ser colocado de uma forma mais efectiva ao serviço dos cidadãos. Gastávamos cerca de 300 mil euros por época só no andebol e na natação.
O Académico de Leiria foi o primeiro a trazer o andebol de praia para Portugal e a criar campos de férias.
O primeiro campo de férias de Portugal nasceu em Peniche. Foi um sucesso. Esgotou logo com cerca de 300 e tal miúdos e tornou-se decisivo em termos financeiros. Com a actividade das escolas e dos jovens que transportávamos para as piscinas chegámos a movimentar dois mil e tal miúdos. Nos anos 90 éramos ricos. Éramos um projecto imparável e o clube que mais coisas fazia, mas não tínhamos a correspondência financeira em apoios. O que recebíamos era aquilo que ganhávamos nos projectos e nos serviços que fazíamos à comunidade. Para nós não era por não ter dinheiro que os jovens deixavam de fazer alguma coisa. Quando em 94 lançámos o torneio internacional de andebol de praia ninguém acreditava naquilo e foi muito importante para a economia do Pedrógão e para o andebol português. Aprendemos que era importante ter projectos diferenciados. Tínhamos a maior colecção de insufláveis do País, o desporto escolar, o andebol de praia, os campos de férias, a natação, que movimentava milhares de miúdos, e tudo dava lucro. Mas tínhamos um problema: os clientes principais eram quase sempre as câmaras e quando deixaram de poder pagar começámos a ter um problema de tesouraria. No espaço de três anos tivemos gravíssimos problemas. A piscina municipal foi para obras e a competição ia treinar para piscinas de outros concelhos. Suportámos todos os custos adjacentes, de tal maneira que atingimos um prejuízo mensal superior a 30 mil euros e cerca de 900 mil euros de dívida.
Não tinham muitos apoios, mas nessa altura era fácil arranjar dinheiro?
Vou contar um dos episódios que me marcou e que foi um grande ensinamento. Estávamos com problemas de tesouraria e era hábito pedir dinheiro aos bancos. Um dia íamos pedir 40 ou 50 mil euros, mas a conversa correu tão bem que resolvemos pedir 140 mil euros e foi de imediato aprovado. Ficámos surpreendidos como era tão fácil. Gastámos 140 mil euros em ideias e projectos.
Arriscaram demasiado?
O que nos faltou foram as câmaras municipais. O que diz a regra? Despedir pessoal. Não quisemos ir por aí, até porque a maioria dos funcionários eram pessoas que tínhamos ido buscar para ajudar. Conseguimos colocar algumas delas noutras instituições sem passarem pelo desemprego e negociámos com o Bairro dos Anjos para ficarem com a área da competição de natação. Dávamos-lhes os melhores atletas e eles levavam-nos três ou quatro técnicos dos mais caros.
Como está a tesouraria agora?
Desde 2016 que não devemos nada a fornecedores, tirando as facturas a 30 dias, e resolvemos o problema com as Finanças. Temos uma dívida negociada, que estamos a cumprir à Segurança Social. Ficámos com a dívida à Câmara de Leiria, através da Leirisport, e a funcionários e técnicos, que temos vindo a resolver. Por incrível que pareça o nosso maior problema foi sempre a Câmara, o que é inexplicável, de tal maneira que foi feita muita pressão sobre nós. O [Raul] Castro queria que pagássemos, num mandato, uma dívida de 190 mil euros. Pagar naquele timing não era possível. E expliquei-lhe que se a Câmara accionasse a dívida, íamos à falência e ficavam 30 pessoas no desemprego. Não ganhavam nada com isso, porque recebiam zero. Propusemos pagar uma mensalidade. Por todos os projectos sociais que fazemos não merecemos este pagamento faseado? Já nem falo se merecíamos ou não o perdão, algo que nunca quis pôr em cima da mesa, mas que era mais do que justo. A Câmara há dez anos que nos dá zero cêntimos. Se recebêssemos um terço do que recebíamos, os 70 mil euros da actual dívida já estavam pagos.
O problema financeiro foi resultado dos investimentos no andebol e na natação?
Resulta um bocado de tudo. Ao contrário das outras associações, que quando se candidatavam a financiamento só avançavam com o projecto se houvesse dinheiro, no Académico a filosofia foi sempre diferente. Nós fazíamos. Ao longo da nossa história, os apoios representaram sempre menos de 10% das receitas. É verdade que as dificuldades coincidem com o andebol no seu auge. Tínhamos uma despesa enorme, mas já tínhamos decidido que iríamos reduzir a competição. O andebol era a nossa cara e foi muito difícil, em 2007, pôr-lhe fim. Atingimos umas centenas de milhares de euros de dívida e toda a gente anunciou a nossa morte. O problema é que não era o Académico, mas toda a economia. Os bancos deixaram de emprestar e as câmaras também estavam em dificuldades. Os anos piores da nossa crise são de 2008 a 2010 . Fui muitas vezes aconselhado a fechar o Académico e a abrir com outro nome, mas sempre recusei. Primeira regra: pagamos tudo até ao último cêntimo. Não sei quanto tempo vai demorar, mas pagaremos tudo.
Mas ainda há dívidas por pagar.
Muito poucas.
A jogadores de andebol?
Poucos.
Tirou dinheiro de contas pessoais?
Completamente. Empenhei-me e atravessei-me. Eu e o Neves. O pai do Neves entrou com bastante dinheiro na altura, porque acreditávamos que era possível. Em 2015, percebi que estávamos muito atrofiados. Decidimos ir bater à porta das empresas e tivemos uma surpresa muito agradável. São as empresas que nos fazem dar o salto. Estávamos no auge de não ter dinheiro para nada e fomos investir 50 mil euros na criação da creche, era uma grande oportunidade. Permitiu- nos fazer um acordo com a Segurança Social e empregar os funcionários que vinham do ATL. Era uma saída para a frente para manter postos de trabalho. Resultou. Em 2010, o nosso pior ano, fomos comprar quatro carrinhas novas porque sabíamos que tínhamos de apostar na piscina para ter receitas. Fazer estes investimentos com salários em atraso não é fácil, porque as pessoas não entendem, mas se não fizesse estes investimentos pagava o ordenado uma vez e não pagava mais.
O que sucedeu ao projecto de criação de um lar para jovens?
Foi um problema gravíssimo. Candidatámos- nos a fundos comunitários para construir aquele tipo de equipamento social. Foi aprovado e tivemos uma verba inicial de 500 mil euros. Preparámos tudo, comprámos equipamentos, formámos equipas de rua, e quando o projecto vai para começar surge o PEC 4 e a Segurança Social diz que não tem dinheiro para o acordo. Vemo-nos com um edifício todo transformado de acordo com a lei e com sete técnicos no quadro a ter direito a indemnizações. Houve um a quem tivemos de pagar 11 mil euros. E tínhamos de pagar 250 mil euros da vivenda, que só agora conseguimos vender e pagar.
Sente falta de reconhecimento por parte da cidade?
Da cidade não e vê-se o exemplo das empresas. Da câmara sim. Deveria ser iniciativa da Câmara, não éramos nós a reivindicar, o direito ao perdão da dívida ou termos um pagamento simbólico, garantindo-nos uma declaração de não dívida para termos acesso aos apoios.
São questões políticas?
Só tem a ver com isso.
O que fez mal no Académico?
O maior erro estratégico foi não termos feito um edifício, uma quinta ou algo do género para os campos de férias, no tempo das ‘vacas gordas’ dos fundos comunitários. Foi o projecto que mais amei.
O investimento no andebol foi um erro?
O erro foi termos prolongado a agonia. Acabar com o andebol foi das decisões mais difíceis que tive de tomar. Foram meses de reflexão e uma semana depois fiquei com a certeza de que tinha feito bem e que até foi atrasado. O que me custou muito também foi perceber que o andebol em Leiria caiu de uma forma abrupta.