Tem uma vida inteira dedicada ao comércio de pescado. No seu prato, prefere peixe ou carne?
Peixe. Gosto muito de carapaus assados, sardinhas, cherne, linguado, robalo. De uma boa caldeirada. Gosto de todo o peixe.
Os portugueses sabem explorar os recursos marinhos ou muito mais poderia ser feito?
Houve uma altura, a seguir ao 25 de Abril, que o uso excessivo das redes de emalhar deu cabo da pesca em Portugal. Deviam ser postas no mar e levantadas. Quando havia mau tempo, deixavam ficar as redes no mar e continuavam sempre a matar. Felizmente, agora os pescadores estão a ter mais cuidado e a ver o futuro dos próprios filhos e dos netos e estão a utilizar menos redes de emalhar. Mas o mal já está feito. Antigamente, havia muito [LER_MAIS]mais peixe tirado a anzol, mais peixe de qualidade, mais frescura, mais quantidade. Havia goraz com fartura, cherne, peixe-espada, xaputa e todos esses peixes desapareceram, porque houve uma pesca intensiva nessa altura.
Para muitos portugueses, comer peixe tornou-se um luxo. Concorda?
Depende. Há certos peixes que estão demasiado caros, porque deixou de haver em quantidade. Por exemplo, o robalo, quando há pouca quantidade, pode atingir os 30 ou 40 euros o quilo. Quando há muito, desce para 20, 19 ou menos. Mas já é raro, porque não há quantidades grandes. Anda sempre na casa dos 27 ou 28 euros, em lota, acrescido de outras despesas até chegar ao consumidor. O robalo de viveiro é muito mais barato. O robalo e a dourada de esteiro (tanques em terra, junto ao mar) têm qualidade muito boa. Se for de jaula, da Turquia, da Grécia, por exemplo, já é diferente. Os de Espanha e de Portugal, de esteiro, são de qualidade. O outro não deixa de ter, mas a carne é mais escura, porque é criado em jaulas, em alto mar, e está ali todo apertado, amontado.
Os pescadores, tal como os agricultores, dizem ser mal pagos e que o consumidor final também sai penalizado, com as grandes margens de lucro que acabam por ficar com a grande distribuição. Como analisa a situação?
Também eu me queixo. O pescador já não é mal pago. Ganha razoavelmente bem. O problema é não haver peixe em quantidade para poderem pescar mais e ganharem mais. Mas hoje já há barcos do cerco a fazer mais de dois milhões de euros por ano. Cerca de 40% ou 50% é para a companha e os restantes são para o armador, que tem de pagar as despesas, menos o combustível. Já não ganha muito mal. Mas são alguns barcos, não são todos. A grande distribuição poderia ficar com lucros um bocadinho mais baixos. Nós, os armazenistas e industriais de congelados temos preços esmagados pela grande distribuição. Se o carapau for a 3 euros na lota, tem despesa de pelo menos 1,5 euros até chegar à grande superfície. Mas se a grande superfície coloca mais 2 ou 3 euros em cima, vai para 7,5 euros. A grande distribuição esmaga os preços. É a lei da oferta e da procura. Infelizmente, deixaram-nos subir tanto, que agora não é possível estagná-los.
Com a industrialização do negócio do peixe, continua a haver espaço para a tradicional venda de peixe seco, por parte das peixeiras da Nazaré?
Há espaço para tudo. Peixe seco é uma das vertentes em que pretendemos investir e até com uma inovação, que são as conservas de peixe seco. Já fizemos o estudo com uma fábrica de conservas de um amigo meu, da Figueira da Foz. Fizemos essa parceria e todos os testes e encontrámos a fórmula correcta. E há espaço para todos. Aliás, a venda de peixe seco por essas senhoras, que já são poucas, é uma tradição da Nazaré. Acho bem que continuem, porque é uma atracção da terra e é uma tradição que não deve acabar.
Em muitas zonas do País, é já a população imigrante que assegura a continuidade da pesca. E no seu negócio, é fácil encontrar recursos humanos?
Não. E ainda bem que temos agora brasileiros e ucranianos. Mas eu preferia que houvesse mais mão-de-obra portuguesa. Acho que os portugueses são melhores trabalhadores. Alguns portugueses são péssimos, têm falhas. Mas se nós os incentivarmos e soubermos lidar com eles, são muito melhores do que qualquer trabalhador estrangeiro.
A sustentabilidade ambiental tornou-se um critério de grande relevo. Mas será que todos se pautam pelo mesmo princípio?
Achava bem que as pessoas tivessem mais cuidado do que têm. Há 50 anos, quando comecei a ir com os meus filhos para a praia, levava sempre um saquinho connosco e todos os restos de comida e embalagens eram lá colocados. Se todos tivéssemos esse cuidado, o ambiente estava muito melhor. Haver tanto lixo no mar tem a ver com o lixo que as pessoas fazem tanto em terra como no próprio mar. Vou muito a África e é uma desgraça. Nota-se grande acumulação, é um desmazelo.
Qual é a maior concorrência da sua indústria?
A concorrência está em todo o lado, quer no País quer lá fora. Temos é de estar atentos e fazer o nosso melhor. Conseguimos fazer melhor pela apresentação do nosso produto, pelo cuidado em prepará-lo. Em Portugal importamos muito produto e sabemos trabalhá-lo para o exportar. A preparação é um valor acrescentado que lhe colocamos antes de o exportar.
O que mais se alterou na Nazaré, desde que Luís Silvério se mudou para a vila?
Sou de Torres Vedras, encontrei a minha mulher em Peniche e vim parar à Nazaré. Porque a minha mulher é de cá e os pais já trabalhavam no peixe, tinham armazém aqui. Cheguei à Nazaré em 1973, quando nem existia o porto. Havia muito peixe ainda, havia arte xávega, pesca ao candil, 16 barcos ao anzol e três ou quatro traineiras. Agora, aqui há muito pouca coisa. Os arrastões é que estão a abastecer a Nazaré. Começou a haver falha de peixe, os pescadores velhos deixaram a arte, os novos não quiseram seguir. Há muita falta de pescadores.
Que sonho tem para a Nazaré?
Que houvesse alguém que fizesse alguma coisa pela Nazaré. Já foi feita alguma coisa. Há 14 anos, o então presidente da Câmara da Nazaré [Jorge Barroso] pediu-me 30 mil euros para trazer o McNamara para cá. Era muito dinheiro. Mas conseguimos por dois. Nós e a Spal. Mas o presidente, nessa época, não soube dar o impulso que devia ter dado. Eu avisei-o muito, que o presidente da Câmara de Peniche, António José Correia, estava cheio de vontade de o levar para Peniche. O Jorge ficou mais atento e depois o Walter Chicharro já desenvolveu mais essa parte do turismo. Se tivermos um turismo de mais qualidade, para a Nazaré, as coisas evoluem. Não digo que as pessoas que cá vêm não têm qualidade, nada disso. O que digo é que precisamos de mais pessoas com posses económicas. Precisamos de bons hotéis de 5 estrelas, um bom campo de golfe, em São Gião, já recuperei vivendas e se fizer a nossa nova unidade empresarial, também vai dar grande impacto ao porto. E podem fazer uma boa marina, porque esta entrada do porto é óptima. É a melhor do País.
E a sua actividade? Como gostaria que estivesse daqui a mais 40 anos?
Não estou cá de certeza. Mas, daqui a 40 anos, gostava que os meus netos continuassem. Aliás, já tenho três netos nesta empresa, uma neta noutra, e também a esposa de um neto, na área do turismo. Gostava que tivessem uma vida estável e que o País tivesse evoluído no sentido da estabilidade. Que os nossos descendentes tivessem um futuro mais razoável.
É fácil delegar responsabilidades na empresa que fez nascer?
É. Desde que nós vamos preparando os nossos descendentes para exercerem dentro daquilo que eles têm mais vocação.
Vendeu recentemente as instalações que tinha em Valado dos Frades ao Grupo Lusiaves. A que se deveu esta medida?
A guerra e a pandemia travaram-nos na intenção que tínhamos para aquilo. Decidimos que era melhor dar um passo atrás, para depois dar dois em frente. Eram instalações muito grandes para aquilo que estávamos a fazer. A intenção agora é fazer uma unidade no porto, mas mais pequena e retirando os negócios que vimos que não eram viáveis.
Será um investimento de quanto?
Cerca de 14 milhões de euros e vamos empregar mais 40 pessoas. Foi melhor para o concelho da Nazaré aquilo que eu fiz. Porque o senhor Avelino Gaspar vai aumentar ali 120 a 150 postos de trabalho. Eu, praticamente, depois de fazer essa unidade, vou ficar com os mesmos. Ou seja, para o concelho vai haver um aumento de 150 postos de trabalho.
De Torres Vedras para a Nazaré