Toalhas, cerâmica de Alcobaça, leques, lembranças e produtos regionais. Portugal, de norte a sul, pode ser encontrado dentro da Casa Barros, na vila da Batalha, espaço que Maria de Lurdes Ribeiro gere há sete décadas.
É a comerciante mais antiga da vila, com o negócio de portas viradas para o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, dedicado à venda de artesanato e produtos regionais.
Às 9 horas, esta comerciante está no posto que ocupa deste os 18 anos, atrás do balcão, a receber os clientes, actividade que lhe permite manter a vitalidade aos 88 anos.
“Ao princípio, eram só espanhóis e franceses. Ainda me lembro de estar com uma toalha a dizer ‘Madame, merci beaucoup, madame, ça va’, com 19 anos”. O Mosteiro da Batalha sempre atraiu milhares de visitantes e, nos anos 50, no arranque da vida de lojista, Maria de Lurdes Ribeiro tinha a loja no local onde agora permanece a Estátua do Condestável D. Nuno Álvares Pereira. A construção do monumento obrigou à demolição dos edifícios à volta e a autarquia cedeu um novo espaço para a reconstituição da Casa Barros.
Com o marido, a comerciante construiu a loja onde até agora permanece, há 66 anos. “Não tive outro ramo se não artigos regionais. Nem eu, nem o meu marido”, sublinha.
E é da família que mais se orgulha. Esboça um sorriso quando fala do casamento, aos 18 anos, com Alfredo Barros, realizado na Capelinha das Aparições, no Santuário de Fátima. “Nunca ninguém casou lá. Quando o meu marido foi chamado para o serviço militar tinha pedido que se se conseguisse ver livre da tropa, casava na Capelinha das Aparições. Quando ele me pediu em namoro – só namorámos 11 meses apenas – ele disse: “Eu não caso na Batalha. Nós vamos casar a Fátima, na Capelinha. Toda a gente se admirou”, conta.
A vida de Lurdes Ribeiro é recheada de episódios únicos. Um daqueles que mais conta data de 1957, quando a rainha Isabel II, de Inglaterra, visitou o Mosteiro da Batalha.
“Na loja, começámos a vender rolos, canecas de Alcobaça, e tínhamos uma boneca a fazer publicidade Kodak. Veio um sacerdote a correr ter comigo e disse: ‘Dona Lurdes, tape a boneca que ela está nua!’, e eu disse ‘Não, é papel’, respondendo o sacerdote: “É uma vergonha, vem aí a rainha, vem aí a rainha!’”.
Lurdes Ribeiro cumprimentou e entregou um ramo de flores à monarca. Esta comerciante é a única pessoa viva presente naquele momento.
Para colher, é preciso semear
Com 70 anos dedicados à gestão de um negócio, Lurdes Ribeiro repete várias vezes a mesma frase. “Para colher, é preciso semear”. Um lema utilizado durante toda a vida, que dedicou também ao voluntariado no hospital das Brancas.
Reconhece que “parar é morrer” e, por isso, está todos os dias na Casa Barros. O momento mais negro desta casa de artesanato, recorda, foi a pandemia de Covid-19. “Estive ano e meio fechada durante o vírus e todos os dias ia dar três voltas à piscina. Tinha de cumprir com os empregados à mesma e o meu filho ia pôr-lhes um envelope debaixo da porta”.
Com a experiência da vida, admite que o dinheiro “sempre foi uma coisa secundária”. “Não se vive sem ele, mas não é tudo na vida”, aconselha.
Natural da Maceira-Lis
A residir na Batalha há 70 anos, este não é o local que viu Lurdes Ribeiro nascer. “Não sou chucha-rolha [nome dado aos batalhenses]. Nasci na Maceira-Lis, vivi com o Champalimoud”, relata, atribuindo a ‘culpa’ da sua longevidade aos “ares do cimento”.
Graças à vida atrás do balcão, agora tem “muita gente amiga”. “Tanto em França, como em Espanha, como no Brasil. Estou no Brasil todo em fotografias”.
Todos os anos, milhares de turistas vão àquele balcão aviar-se com produtos portugueses e vários já são clientes habituais. “Como lido com milhares de pessoas de todo o mundo, às vezes não os conheço. Mas também não me desmancho!”
Noutra vida, a lojista viajava “duas e três vezes à Madeira”, por ano, para adquirir as tradicionais toalhas bordadas. Hoje, sabe que já não há “clientes para isso”.
Teme deixar de vender lençóis de cama, já que só tem uma fornecedora que os “borda à mão”.
Quando questionada sobre as memórias mais felizes vividas naquele estabelecimento, responde: “ser mãe”. Agora, espera o nascimento do primeiro bisneto.
Pelo seu contributo enquanto comerciante, a autarquia quis agraciar Maria de Lurdes Saldanha Ribeiro com a medalha de mérito municipal grau prata, na sessão solene do Dia do Município da Batalha, realizada ontem.