Com o som dos carrosséis e o cheiro das pipocas e das farturas por perto, a Escola Básica do Arrabalde, do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria, a poucos metros da Feira de Maio, recebe todos os anos alunos do ensino itinerante, filhos de feirantes ou de trabalhadores do circo. Este ano são oito os meninos e meninas que vão estudar durante um mês nesta escola, cuja multiculturalidade já está bem vincada no seu ADN.
Ângela Rafaela, 6 anos, Melina Afonso, 6 anos, Valéria Machado, 11 anos, Gerson Machado, 7 anos, Nicole Gaspar, 10 anos, Santiago Caldeira, 10 anos, Ângelo Caldeira, 11 anos, e Gabriel Viegas, 7 anos, dividem-se pelas salas do 1.º ao 4.º ano da escola.
Sempre muito animadas, as crianças garantem que gostam deste tipo de ensino, mesmo que, para alguns, esta vida lhes crie algumas dificuldades de aprendizagem, por conhecerem várias escolas e professores ao longo do ano.
Todos estão integrados no ensino itinerante, destinado a filhos de profissionais itinerantes, que estejam na escolaridade obrigatória, não abrangidos pelo ensino à distância, que se deslocam ao longo do ano lectivo por vários pontos do País. “Sempre foi assim e gosto. Assim, conheço várias pessoas e faço muitos amigos. Acabo por ser um privilegiado”, afirma Santiago Caldeira, revelando com orgulho que quando crescer será também feirante.
O seu irmão Ângelo Caldeira é o único que assume que preferia estar sempre na mesma escola. “É chato andar sempre de escola em escola e por isso às vezes tenho mais dificuldade em aprender”, admite.
Os restantes alunos frisam que este ensino é “fixe” e que é “uma maneira de ter muitos amigos e de andar sempre a passear e a conhecer novos sítios”. Alguns são familiares, outros vão-se cruzando pelas feiras ao longo do País. Há quem tenha já estado na Escola do Arrabalde. “Gosto desta escola. Os professores são fixes. Sinto que tentam transmitir-nos o máximo de conhecimento no pouco tempo que têm”, afirma Valéria Machado.
Carla Neves, uma das professoras com mais alunos na sua sala, está a ter a sua primeira experiência com o ensino itinerante. “Estes estudantes integram- se facilmente. Ensinar não é fácil, porque chegam a meio do ano. Temos de fazer um diagnóstico para percebermos o que sabem e assim avançarmos na matéria.”
Em cada escola onde chegam levam consigo uma caixa com todo o material trabalhado. Livros, fichas, cadernos… tudo os acompanha para todo o lado. Um dos problemas apontados por Carla Neves é o facto de nem sempre os manuais que trazem serem iguais aos adaptados pela escola. “Quando o material é o mesmo facilita, quando não é temos de ir dando- lhes fichas e outro tipo de exercícios.”
[LER_MAIS] Segundo Carla Neves, a maioria dos alunos está a leccionar conteúdos idênticos àqueles que a sua turma está a trabalhar. Outros estão mais desfasados e com esses é preciso fazer um trabalho mais individualizado.
Docente do 2.º ciclo, este ano está a ser um verdadeiro desafio para a docente, que tem vencido desafio após desafio “com muito trabalho”. “É um desafio constante, até porque tenho na mesma sala os 2.º e 4.º anos, mais quatro meninos que chegaram a meio.” Apesar de ser desafiante, a docente considera ser “enriquecedor” a diversidade.
“Estes meninos trazem partilhas e vivências diferentes que também são mais-valias”, constata. No grupo há meninos “mais empenhados e interessados, com gosto por aprender”, outros que “vão fazendo os trabalhos com algum apoio” e outros que “só fazem com a ajuda” da professora.
Apesar de ensinar jovens que mudam de escola com bastante frequência não ser um bom aliado de uma aprendizagem consistente, Carla Neves acredita que os jovens “aprendem sempre alguma coisa” e “levam sempre algo a mais na bagagem”. No entanto, garante que “se o trabalho fosse realizado apenas numa escola de uma forma contínua os resultados seriam diferentes”.
A professora afirma que não muda a sua forma de trabalhar perante estas crianças, mas admite que tem de adaptar algumas coisas às suas necessidades. Além disso, constata que “quando chegam há sempre alguma agitação, nos intervalos verificam- -se pequenos atritos, mas depois tudo corre bem” e “dentro da sala não perturbam”.
Quando os alunos rumam a outra cidade, o professor tem de escrever um relatório sobre o trabalho desenvolvido, que será inserido numa plataforma para que todos os docentes que recebem estes meninos fiquem a conhecer o trabalho que já foi realizado e em que parte da matéria estão.
“Esta é uma situação normal. Eles fazem o seu trabalho e seguem a matéria”, afirma José Mário Verruga, pai de uma das meninas. Os trabalhos de casa são assegurados diariamente. “Quando chegam fazem os trabalhos de casa na caravana. Normalmente, é a mãe que os ajuda”, conta José Mário Verruga.
“O único problema é que eles nunca vão ter os amigos de infância, aqueles que se tem na escola e crescem connosco, porque estão sempre em sítios diferentes. Por outro lado, conhecem novos amigos.”, afirma o feirante, que também cumpriu a escolaridade no ensino itinerante.
José Mário Verruga considera ainda que, por ser presencial, este ensino é melhor do que a aprendizagem à distância, através do computador, “onde os alunos não têm contacto com os colegas”.
Este ensino é dirigido aos jovens mais velhos que estão na escolaridade obrigatória. “Vamos aprendendo sempre mais qualquer coisa. Sai daqui uma matéria, que vai ser continuada na próxima escola”, reforça.