Precisa ainda de dar melhor uso aos seus equipamentos culturais. Estas são algumas das conclusões retiradas do forum Vias Alternativas que pôs os artistas da região a falar entre si
Leiria necessita de um programador cultural, capaz de fazer uma gestão da programação, que não seja “avulso” e tenha uma orientação bem definida. Há espaços que poderiam ser usados pelos artistas e público, mas que estão degradados e encerrados e, outros há que não estão a cumprir o seu potencial.
Falta apoio de mecenas e os artistas têm até ideias para fazer mais, sem a ajuda das entidades que os deveriam auxiliar, embora todo o apoio seja bemvindo. Estas são apenas algumas das conclusões retiradas do Vias alternativas – Conversas sobre o estado das artes em Leiria, fórum que aconteceu em Leiria, no sábado, e que pretendia, não apenas, dar a conhecer quem, quantos e o que fazem os artistas e agentes culturais de Leiria, mas também colocá-los a conversar entre si.
“Sem conversar não nos conhecemos. Sem nos conhecermos não conversamos”, afirmam Andrzej Kowalski, docente do ensino superior e encenador, Gil Campos, professor, e Luís Mourão, dramaturgo e também professor, que desafiaram o JORNAL DE LEIRIA a integrar a organização deste evento, que teve a parceria da ESECS/IPLeiria.
Reunidos na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, em Leiria, e após a intervenção inicial do investigador, dramaturgo, encenador e docente universitário João Maria André que apresentou a comunicação Políticas Culturais Fora dos Grandes Centros Urbanos, os artistas desafiaram os representantes do CDS, PSD, PS, PCP e BE a expor a posição dos seus partidos sobre a temática.
De tarde, tiveram início as conversas entre os criativos. Mais de uma centena de artistas dividiram-se pelos grupos Letras, Imagem, Artes Plásticas, Artes Performativase Música, para debaterem o seu papel na sociedade e para sugerir medidas concretas que permitissem melhorar as suas condições de trabalho e o contacto com o público.
Boa parte das sugestões foram transversais a todos os participantes e, por isso, deixamos aqui um resumo com algumas dessas posições comuns, uma vez que a lista final de propostas é extensa, tendo a organização chamado a si a tarefa de a tornar pública, bem como enviá-la à Rede Cultura 2027, que está a organizar a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, à Câmara de Leiria, à CIMRL, ao IPLeiria e aos partidos presentes no evento.
Um lobby para as letras, pôr o IPL a falar e impedir a tabula rasa
Os escritores e poetas avançaram com a proposta de criação de parcerias com os media, para dar espaço aos autores emergentes, e de organização de um evento literário, “cujo foco não se disperse e que possa primar pela especificidade e idiossincrasia leirienses”.
Os autores gostariam de promover encontros e colaboração com criativos de outras formas de manifestação artística, como o teatro ou a performance. Por fim, sugeriram criar um lobby para a divulgação dos autores de Leiria/ locais, através de acções dirigidas a meios de comunicação, críticos e a uma grande variedade de agentes literários.
Já os músicos sublinharam que, mesmo após todo o trabalho que têm feito para levar o nome de Leiria a Portugal e ao estrangeiro, continua a faltar o envolvimento da comunidade e o investimento que leve mais artistas a apostar na sua arte. “Apesar da grande quantidade de escolas que oferecem formação básica, há poucos jovens a irem a concertos”. Pediram mais transparência e que o Orçamento da Câmara reflicta os valores dedicados à cultura e a verba dedicada ao entretenimento. “Embora se possam cruzar, há que rotular mais assertivamente os artistas e as actividades.”
Por fim, ficaram combinadas reuniões regulares dos músicos e a SAMP prontificou-se para acolher, já no próximo mês, uma reunião com os artistas, para continuarem a falar e a criar soluções para problemas comuns.
O encontro aconteceu numa das escolas do Politécnico de Leiria e a instituição também foi alvo de alguns recados dos artistas das Artes Performativas. “É preciso acabar com o ‘divórcio’ e ausência de comunicação entre as escolas do Instituto Politécnico de Leiria.
“A ESECS, que forma professores, e a ESAD.CR, que forma artistas, não falam, nem se articulam. Nem a escola de Leiria conhece o trabalho feito pelos artistas em formação nas Caldas da Rainha, nem o trabalho criativo é incluído na formação de professores. Solicita-se à ESECS que tenha mais atenção, quando fizer a elaboração dos seus planos curriculares para a formação de professores, e à ESAD.CR que mostre o que estão a fazer os artistas que está a formar, estabelecendo uma rede que permita que o IPLeiria sirva como facilitador na ligação entre educação e cultura.”
Também se solicitou a quem está à frente da candidatura a Capital Europeia da Cultura que evite “fazer tabula rasa de tudo o que existe em Leiria, sacrificando o trabalho de décadas em nome da candidatura e de um caderno de encargos”, porque “a criação artística é um valor do território e não deve ser condicionada por esta candidatura”.
– Contratação de um programador cultural, com formação específica. Há a necessidade de, numa cidade que tem já uma grande quantidade de produção cultural, haver uma gestão cultural e uma equipa a tempo inteiros;
– Mais e melhor divulgação dos eventos, criando um mecanismo que impeça a sobreposição constante de eventos. Foi referido que chegou a ser proposto à autarquia a aquisição de uma plataforma online para este fim, mas que não houve aceitação da ideia da parte da Câmara;
– Mais apoio dos mecenas. A produção cultural valoriza o território e as empresas da região quando tentarem vender os seus produtos no estrangeiro. “Adopção” de um artista pelos mecenas;
– Criação de uma rede para exposições e exibições de cinema dos criativos locais, criação de um auditório no novo pavilhão multiusos;
– Recuperação e utilização de auditórios na cidade que se encontram encerrados. O auditório da delegação de Leiria do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e o auditório da Caixa Agrícola, estão inactivos há vários anos e poderiam ser utilizados para divulgação do trabalho;
– Mais conversas e encontros regulares de artistas. Os sectores da dança e a música prometeram reunir no próximo mês para continuar o trabalho iniciado no sábado;
– Realização de residências artísticas, com convite a criativos locais e nacionais, da música às letras, do teatro à dança e artes plásticas, para trabalharem em Leiria e darem a conhecer o seu trabalho e arte;
– Criação de uma blackbox e de um laboratório de fotografia comunitário – a instalar no IPDJ ou no m|i|mo -, com capacidade de impressão. Criação de um espaço cultural comum, que possa ser usufruído por todos os criadores de todas as formas de manifestação artística e pelo público;
– Aquisição pública de uma colecção representativa da produção artística actual e sua exposição num local privilegiado e de fácil acesso;
– Reactivação do Conselho Municipal de Cultural. “Foi um órgão que tomou posse com pompa e circunstância, mas que não está activo e não funciona”;
– Criação de uma rede cultural que extrapole o âmbito territorial da cidade e agrupe organismos públicos e privados.
Manifesto dos artistas de Leiria pela cultura
“Tudo seria bem mais fácil se estivéssemos a falar de obras públicas. Hospitais, escolas, [LER_MAIS] tribunais, pontes, estradas, barragens…. Sobre isso, não haveria qualquer dúvida quanto à necessidade de investimento, na formação de técnicos, na elaboração de bons projectos, na construção e manutenção da obra. Indiscutível! Estariam em causa condições básicas para a vida do cidadão, para a organização da sociedade. Sim, tudo seria mais fácil.”
Começa assim o texto do manifesto dos artistas e criativos de Leiria, dirigido aos agente públicos e privados do sector da cultura. A versão final do documento irá conter os anseios, necessidades e soluções apontadas da mais de uma centena de criativos que se deslocaram a Leiria, para participar nesta grande conversa.
“Pretendíamos criar um encontro apartidário e descomprometido, focado no encontro dos cidadãos pertencentes à massa criativa de Leiria”, explica Kowalski, adiantando que o cenário ideal seria o Vias Alternativas tornar-se um evento anual.
"Se acontecer em 2019, se calhar, já não será porque três pessoas se juntaram com a ideia de colocar os criativos a falar”. O co-organizador adianta ainda que “muito honrará aos promotores” a apropriação das conclusões por agentes políticos, culturais, sociais, económicos e de todos os quadrantes da comunidade, “por constituir uma iniciativa que beneficiará Leiria, a região e a qualidade de vida dos seus cidadãos”.