A pintora chama-lhe “mini-retrospectiva”. São aproximadamente 30 obras de Maria João Franco reunidas no BAG – Banco das Artes Galeria.
O ponto de entrada na exposição é uma sala ocupada, em exclusivo, pela instalação “Genesis”, que a artista apresenta em memória do pai, o actor, dramaturgo e animador cultural Miguel Franco [Leiria, 1918-1988].
“É um ser que está sempre em mim, que tenho sempre em mente. Não me desligo nunca das atitudes correctas e honestas do meu pai”, comenta Maria João Franco, também ela nascida em Leiria, no ano de 1945, a partir de onde construiu uma carreira no panorama artístico português, sobretudo, desde meados dos anos 80.
“Foi com ele que ouvi pela primeira vez música clássica, com cinco anos, quando entrou em casa com um gira-discos”, recorda. “Essa atitude pedagógica era típica dele”.
Em “Genesis”, Maria João Franco inspira-se na peça O Motim, escrita por Miguel Franco e levada à cena pela Companhia do Teatro Nacional, em Lisboa, no ano de 1965, mas suspensa pela PIDE (a polícia política) ao quinto dia de representações.
O texto trata da revolta e punição de trinta lesados pelo monopólio da Real Companhia dos Vinhos do Alto Douro, no século XVIII, que acabaram condenados à morte – e que em Leiria, no BAG, surgem representados por cabeças em cerâmica suspensas por cordas, num conjunto que inclui, ainda, vários quadros.
“A história é terrível. Acho que o meu pai teve muito peito”, diz Maria João Franco ao JORNAL DE LEIRIA. “Este acontecimento é icónico, acontece em todos os tempos, em todos os países, em todo o mundo”, acrescenta. É um exemplo da “violência do poder sobre as pessoas” e dos “crimes mais hediondos” cometidos pelas hierarquias do estado.
No primeiro piso do BAG, descobre-se a retrospectiva inaugurada na sexta-feira, 30 de Junho. Há pinturas de 2023 e as mais antigas datam da última década do século passado.
O título, Eros Erotica, remete para outra exposição, em Fátima, planeada nos anos 90, que nunca chegou a acontecer. “Como os quadros tinham um pendor bastante erótico, não se fez”, conta a autora.

Na obra de Maria João Franco, segundo Fernando António Baptista Pereira, que assina o texto do catálogo, encontra-se, recorrentemente, o “culto ostensivo do corpo e da pulsão da vida”, a que também “se podem associar a dor, o quotidiano ou até o sacrifício redentor”. Uma referência “quase arquetípica”, predominantemente, “ao corpo feminino, evidente objecto de desejo, bem como fonte e receptáculo da pulsão da vida”. E, sobre o tema, a artista conclui: “Posso dizer que é um bocado focado em mim própria. Não abro mão da minha maré, não mudo, sigo o meu caminho. Não me digam vou por aí, porque não vou”.
Várias vezes premiada, representada em colecções públicas e particulares, nacionais e estrangeiras, Maria João Franco apresenta, segundo Fernando António Baptista Pereira, um “pensamento visual muito próprio”, materializado “em poderosas realizações plásticas de grande fôlego, em que se destacam o amplo gesto pictural e as dimensões generosas dos trabalhos, mas das quais jamais está ausente uma realização delicada e até minuciosa de toda a matéria pictural, quase como uma verdadeira escrita do desenho e da pintura”.
Com 78 anos, a artista continua a trabalhar com regularidade. “É instintivo, é o meu modo de estar”, assinala. “É uma questão de opinião plástica”.
A exposição Genesis | Eros Erotica, com curadoria de Paula Oliveira e Luís Jordão, pode ser vista no BAG até 24 de Setembro.