Em 2000, justificava ao JORNAL DE LEIRIA o mecenato cultural e social da Caixa de Crédito Agrícola de Leiria com a crença de que era preciso retribuir a confiança das pessoas de Leiria. Foi assim que surgiu a ideia de criar a Fundação Caixa Agrícola de Leiria?
Quem quer dar, abre a carteira e dá. A Caixa já fazia isso, mas não de forma organizada e havia que chamar pessoas para a Fundação que tivessem uma ligação à sociedade. É que a Caixa tem à volta de 11 mil sócios e às Assembleias Gerais vão 60 ou 70. A comunidade não “vive” a Caixa. É uma associação com muitos sócios, mas não lhe dá importância. É um banco como outro qualquer. E, portanto, criar a Fundação, não foi só generosidade, tenho de confessar. Tinha de haver um objectivo. A Fundação aliou personalidades que ligassem a comunidade à Caixa. O presidente do Conselho Fiscal é, desde o princípio, Raul Castro, da Batalha, depois temos a Filipa Esperança, que é de Leiria, temos o presidente da Câmara de Ourém… No Conselho Geral, temos Isabel Damasceno, Álvaro Órfão, Carlos André, Cristina Nobre, José Alho, Helder Roque, Helena Vasconcelos… são cerca de 20 pessoas que representam a comunidade e a quem prestamos contas. Se a Fundação recebe um euro da Caixa, é um euro que chega aos subsídios, pois, no caminho não se perde nada. Cada cêntimo que recebemos na Fundação é um cêntimo que é aplicado na cultura e no apoio à comunidade. Nos estatutos, de 2004, explica-se que a nossa ideia não é competir com ninguém. A sociedade já se organizou em bandas, em bombeiros, em organismos. Queremos ajudar e reconhecer o trabalho de quem há está a fazer coisas.
Como foi transformar a Caixa de Crédito Agrícola de Leiria?
Quando o barão de Salgueiro promoveu a criação da Caixa de Crédito Agrícola, a 3 de Janeiro de 1915, conciliou os monárquicos e os republicanos e o banco foi criado como cooperativa de responsabilidade solidária ilimitada. Os sócios entravam e davam a relação dos seus bens para uma lista. O primeiro prédio listado era do barão de Salgueiro e é o Moinho do Papel. Estes imóveis eram usados como garantias dos negócios da Caixa. Assim, ela não podia ter prejuízos. Se os tivesse, no final do ano, eles eram rateados, em percentagens, pelos sócios, em função do valor das propriedades. Era uma bomba que estava ali. Salazar acabou com isso e entregou a fiscalização das caixas, a nível nacional, à Caixa Geral de Depósitos (CGD), em 1926. Éramos um escritório da CGD e íamos amealhando alguns lucros. No primeiro ano, tivemos seis escudos [três cêntimos] que foram para um fundo. O controlo era muito grande e o desenvolvimento foi muito pequeno. Quando eu tomei posse como presidente, tínhamos 43 mil euros, em Março de 1980. Mas todas as 144 caixas nacionais do Crédito Agrícola Mútuo tinham 2,3 milhões de euros. A Caixa de Leiria tinha 2% desse valor. Percebi que, se pretendia transformar a Caixa de Leiria, a minha acção não podia ser só cá, mas tinha de ir para o âmbito nacional, pois não podíamos crescer e desenvolver-nos sem as outras. Contactei-as e disponibilizei-me. Durante 11 anos, trabalhei muitos domingos e quase todos os sábados… de borla. Fui vice-presidente da Fenacam – Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, durante 15 anos, na Caixa Central. Fui designado pela Caixa Central para coordenar a Comissão Instaladora da Caixa Central, para fazer os estatutos, e, nos princípios de 84, a Caixa Central estava montada. Mas a questão de não poder ter prejuízos, não tinha desaparecido. As caixas tinham de atingir o capital exigido pelo Banco de Portugal, para serem verdadeiramente bancos. Nos bancos nacionais, são 17,5 milhões de euros e, nas caixas agrícolas, são exigidos 7,5 milhões. Criámos um fundo de garantia de solvabilidade, de que me tornei administrador. Mas em 1991, a Caixa de Leiria, já tinha 28 milhões de euros. De 43 mil euros, em 1980, para 28 milhões! No final do ano passado, o capital social eram 118 milhões. Leiria, tal como outras caixas, hoje tem autonomia. Já não estamos ligados à Caixa Central e actuamos nos concelhos de Leiria, Marinha Grande e Ourém.
Como era a Leiria dos anos 50, quando começou a trabalhar?
Não havia dinheiro, e as pessoas iam para a emigração. Recordo-me de episódios de quem ia à Caixa de Crédito pedir dinheiro para que a família tivesse um pé-de-meia, para a mercearia, enquanto procuravam trabalho e dinheiro, em França. Muitos pediam dinheiro emprestado, com as lágrimas nos olhos, para não desampararem os filhos e mulheres. Quando corria bem, regressavam ao balcão, já vestidos de outra maneira, e eram até rudes. “Ouça lá, devo alguma coisa?!” Eu dizia que, para mim, era uma alegria as pessoas terem essa atitude, porque entendia que tinham de se redimir da humilhação de terem ido pedir dinheiro. Depois disso, houve centenas de empresários que promoveram o desenvolvimento. Estas pessoas tiveram mérito, criaram uma região com pujança, com iniciativas, e as estatísticas mostram isso. Para muito, terão contribuído as associação empresariais, nomeadamente a Nerlei, e o IPL, que foram grandes motores de desenvolvimento. Nas estatísticas, esta região sobressai, com exemplos de empreendedorismo bastante evidentes. E há empresas que vêm de fora, que se instalaram cá, pela facilidade de acessos, localização no Centro do País e factores como a mão-de-obra qualificada com que o IPL tem ajudado.
Aos 90 anos, após 75 anos na Caixa de Crédito Agrícola, 45 dos quais como presidente, o que sentiu no dia em que saiu?
Sei que não sou eterno e a minha preocupação, quando vim para a Leiria, em 1992, com 57 anos, foi preparar o futuro. Tinha admitido nos serviços de auditoria da Fenacam o Jorge Cova, actual presidente do Conselho de Administração da Caixa, e deitei-lhe logo o olho, para ser meu assessor em Leiria. Simultaneamente, o Banco de Portugal fechou as instalações em Leiria e havia dois auditores De 43 mil euros, em 1980, para 28 milhões! No final do ano passado, o capital social [da Caixa de Crédito Agrícola de Leiria] eram 118 milhões das Caixas Agrícolas, o Sequeira e o Oliveira Soares que também recrutei. Criei uma equipa para me suceder. Há três ou quatro anos, entendi que deveria sair do executivo e fiz uma proposta no sentido de criar uma comissão executiva. Nomeei o Cova e mais duas pessoas, como executivos. Eu e o Sequeira ficámos como não-executivos, só com a função de acompanhamento e inspecção. Há cerca de um ano, a chegar aos 90 anos, anunciei que me iria embora e, a partir dessa altura, começou a haver desconsiderações. Lembrei-me então de um ditado: “Ninguém ama a quem morre”. Quem morre, morre. Houve desconsiderações e não saí por iniciativa minha. Saí porque me mandaram embora. Foi legal e justo, mas eticamente reprovável. Os quatro amigos a quem acarinhei e a quem dei os lugares, entenderam que eu tinha de sair e, pior, não tinha o direito de me pronunciar sobre quem ficava. Quiseram que ficasse na Fundação, mas não aceitei. Foi a forma de não voltar e de não querer mais nada com aquilo. Ainda quiseram alterar os estatutos para me nomearem “presidente emérito” … mas eu quero lá ser Presidente da República, almirante, comendador ou regedor?! Eu sou o Mário Matias. Sempre fui só Mário Matias.
Era o presidente da Direcção do Sporting Clube Leiriense (SCL), quando em 1966, o clube se tornou parte da União Desportiva de Leiria (UDL). Sente que marcou o desporto regional?
Por uma questão de nojo, não fiz parte da primeira Direcção da UDL, mas fui vice-presidente na segunda. Os sportinguistas de Leiria não me perdoaram ter entregado o SCL ao União. Era para ter sido uma fusão do Coliponense, do Marrazes, do Ateneu e do SCL, mas não foi. A ideia apareceu porque tínhamos o uso do estádio municipal dividido por três clubes: o SCL, o Marrazes e o Coliponense. Resolvemos fazer a fusão e por isso é que o equipamento era branco. Contudo, uma coisa foi a conversa, mas quando chegou o momento da fusão, tanto o Marrazes como o Coliponense não quiseram e a fusão não foi fusão. Eu transformei o SCL em União Desportiva de Leiria…, mas não me arrependo de o ter feito, porque foi a forma de resolver o assunto e a União teve outra projecção que nenhum dos três clubes acabaria por ter. Estive um ano como vice-presidente da UDL e reparei que o Coliponense tinha falido, o Ateneu também tinha fechado com dívidas. Fiz uma gestão rigorosa da União e o clube deu lucro. Surpreendentemente, tive de pedir desculpa pelo lucro, com os sócios a ralhar comigo. Saí em 1969 da UDL, mas ajudei a criar a Associação de Desportos de Leiria, numa época em que não havia nada federado no distrito, além do futebol. Organizei os primeiros campeonatos amadores de voleibol, basquetebol, atletismo e andebol. Eventualmente, a associação acabou para dar lugar às organizações respectivas de cada desporto.
Foi vereador do PS com pelouros, no último mandato de Lemos Proença (PSD) em Leiria. Como foi essa experiência?
Em 1993, estava na presidência da Caixa de Crédito, quando o presidente da Concelhia do PS me foi perguntar se aceitava liderar a lista para a Câmara de Leiria. Fiz as minhas contas e parecia-me que não corria risco, porque não ia ser eleito. Nessa altura, talvez tenha cedido à vaidade e à tolice de ser candidato. Não tinha feitio para aquilo. Sei, hoje, que foi estultícia minha. Além desses pelouros, fui também o presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados. Gosto muito de História e havia um italiano com quem, às vezes, tinha a tolice de me comparar, que era o Garibaldi, um dos pais da Itália moderna, porque ele, quando havia necessidade de fazer uma revolução, aparecia. E eu, quando era preciso resolver um assunto, pegava na espada e também ia.
Entrou a 31 de Julho de 1950, na Caixa de Crédito Agrícola de Leiria, instituição onde trabalharia durante 75 anos, 45 dos quais, como presidente. A entrada no mundo do trabalho começou, contudo, logo em 1946, como moço de recados na empresa Mercantil, depois, União Mercantil.
“Dali, ainda fui para a Lisboa&Lagoa, uma serração de madeira, na Estação. Aos 13 anos, entrei na Lubrigaz e ainda passei pela Automecânica porque o meu pai entendia que eu deveria ter uma profissão [como a mecânica].”