No que está, presentemente, a trabalhar com a sua equipa de investigação?
Há vários problemas que são comuns globalmente e o principal é a água, devido às alterações climáticas, à sua escassez e qualidade. Há menos água e de pior qualidade. E o segundo mais importante é a mão-de-obra e o seu custo. No cultivo dos pequenos frutos ou dos frutos vermelhos, muito do trabalho ainda é muito manual. Os frutos são muito perecíveis e delicados, e a colheita é toda manual. Isso tem um custo muito significativo para o produtor. É comum 50% a 80% do custo total de produção ser relacionado com a mão-de-obra. Em Portugal, não vemos muitas diferenças destes padrões. A água é o desafio número um. Por exemplo, na região do Perímetro de Rega do Mira, na região da Zambujeira do Mar, onde a Driscoll’s e muitas outras empresas cultivam pequenos frutos, nos últimos cinco anos, houve uma redução de quase 50% da quantidade por hectare da água alocada aos produtores pela instituição que gera o volume de água do Mira. Num curto espaço de tempo tivemos de trabalhar para sermos capazes de produzir o mesmo, com menos água. Estamos a consegui-lo, usando técnicas como a recirculação da água, captura da chuva e rega de precisão.
Qual é o projecto ou descoberta em particular que a deixou especialmente orgulhosa do seu trabalho?
Desenvolvemos um sistema de produção que, traduzido à letra, se chama “canas largas” de framboesa e de amora. Já existia na indústria, de maneira rudimentar, há talvez 18 anos, mas foi uma área onde trabalhei muito, com bastante persistência, e tenho muito orgulho que se tenha tornado num sistema de produção global com muito sucesso e que contribui muito para o sucesso dos produtores em muitos países. É um mecanismo de produção de muita precisão, com muita tecnologia e ciência, que permite poupar água e adubo e até recolher a água que a planta não usa, drená-la e limpar de maneira biológica, para ser reutilizada. O outro que destacaria, é o cultivo de mirtilo, em sistemas hidropónicos. Quando comecei a trabalhar neles, em Portugal, nem conseguia que me vendessem vasos ou substrato. Não existiam. As pessoas até me diziam que aquilo “não tinha jeito algum”. “Que disparate!” Hoje, é o sistema dominante no mundo, para toda a indústria e não só para o mirtilo. Acabámos de viver em Portugal a segunda ou terceira vaga de calor do ano, e estamos a assistir a temperaturas em Junho que, antes, só chegavam em Julho e Agosto.
Estes golpes terão um impacto sério na produção fruteira. Neste caminho de alteração climática provocada pelo ser humano, assistiremos a uma revolução forçada em toda a agricultura?
As alterações climáticas já são uma realidade presente. Estão cá! Na agricultura, vivemos-las na linha da frente já há anos. Quem trabalha na agricultura, sabe que as alterações climáticas são uma realidade. Há mais condições extremas, com ondas de calor, chuvadas muito fortes, granizo e inundações como aquela que aconteceu em Valência, em Outubro do ano passado, e foi desastrosa. Os modelos e a ciência, dizem que vamos assistir a mais eventos extremos, como este, que vão ter impactos muito fortes nas culturas e nos alimentos disponíveis. Podemos e devemos esperar que a disponibilidade de alimentos seja mais escassa e o seu preço seja muito mais alto. Do lado do consumidor, a assumpção de que é certo e seguro ir ao supermercado e encontrar muitos alimentos disponíveis todo o ano, com preços estáveis, será cada vez mais questionada. Num ano, pode haver quebras no cacau e, no seguinte, no café, no morango e na batata. Da parte do produtor, vamos assistir quase a uma revolução forçada. Daqui a talvez cinco, dez ou 15 anos, quem não se adaptar, quem não usar tecnologia para tentar resolver estes desafios vai ter muitas dificuldades. Portanto, temos de trabalhar com os produtores, com os governos, com as entidades estatais e com as universidades, para produzir soluções mais rapidamente. Temos de continuar a trabalhar, com persistência e resiliência, porque é mesmo preciso! Precisamos de alimentos, precisamos de nutrição, precisamos de comida saudável. Esta vai ser a batalha da agricultura.
A academia, os governos e as empresas estão a apostar o suficiente em investigação e desenvolvimento de soluções para estes desafios?
Nos países da União Europeia, incluindo Portugal, há um bocadinho mais de consciência. Estão mais alertas.
É o suficiente?
Não. Ainda se está a fazer pouco e tarde. É preciso um trabalho mais intenso, pois, sem dúvida alguma, a adaptação às alterações climáticas é o grande desafio dos próximos 20 anos, tal como a instabilidade que elas trarão, a nível socio-político. Há mais abertura na União Europeia para estas questões do que noutros países. Um projecto que desenvolvemos e no qual me envolvi pessoalmente, é o Centro de Investigação para a Sustentabilidade, na zona de São Teotónio, na costa alentejana, numa parceria entre o Governo português, com o Instituto Nacional de Investigação Agrária e também com a Driscoll’s, mas que é uma iniciativa aberta à indústria, com os produtores de pequenos frutos e com a comunidade. É tudo muito focado na sustentabilidade, na água e redução de pesticidas.
Em Portugal, estão a dar-se passos para o aproveitamento comercial de espécies autóctones de furtos, como o medronho e o fruto do sabugueiro, muito bem adaptados ao clima e solos, porém, desprezados pelos produtores. Consegue visualizar um futuro onde estes frutos se tornam “moda”, como aconteceu com o açaí do Brasil?
Claro que sim. Há 20 ou 30 anos, ninguém falava dos mirtilos e framboesas e muito menos do açaí. Portanto, é possível com persistência e com consciência. O fruto do medronheiro tem bastante potencial, como refere. Tem algumas características em que é preciso trabalhar e em variedades um pouco melhores, na questão dos álcoois, por exemplo. Já há um programa de melhoramento, creio que no Politécnico de Coimbra, para desenvolver essas melhores variedades de medronho para consumo humano directo. Outro fruto, que pode ser aproveitado é a baga da camarinha das praias, que está a ser melhorada e trabalhada por Pedro Brás de Oliveira do Instituto Nacional de Investigação Agrícola e Veterinária. Ele foi o grande pioneiro dos pequenos frutos em Portugal e, agora, está a abrir o leque às bagas autóctones. A camarinha é autóctone, é rústica, é nossa e tem potencial. O ser humano consume apenas uma fracção mínima… microscópica dos frutos que existem na natureza. Há tanta variedade e potencial nutritivo e de rusticidade, que não se explora, porque é preciso melhorar variedades e é preciso encontrar plantas que consigam ser interessantes para o produtor também ter um incentivo para as cultivar. Mas é aí que entram as universidades e as empresas, para investir em tecnologia e em ciência. Estes frutos autóctones são muito eficientes no consumo de água e têm vantagens, relativamente a outros. Estamos, aqui também, a assistir a uma grande revolução. Ainda não ouvi falar de uma “cultura vencedora”, mas a Driscoll’s, numa quinta no estado de Washington, onde o anterior dono já não fazia dinheiro com a vinha, plantou mirtilo. Nalguns sítios, está a plantar-se cereja, e até sisal para fibras naturais. A amêndoa também teve um grande crescimento, mas já não se está a plantar, porque necessita de muita água, que não existe.
Aos 17 anos, ingressou no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, para se formar em engenharia agronómica.
No terceiro ano da licenciatura, a busca de novos ensinamentos levou-a a uma conferência sobre pequenos frutos no Instituto Nacional de Investigação Agrária (INIA), em Oeiras.
“Fiquei deslumbrada com a cultura da framboesa, do mirtilo, da groselha e da camarinha.”
Focou-se no estudo de pequeno fruto e após trabalhar quatro anos em projectos no INIA, ingressou na Driscoll’s, empresa líder global na área dos pequenos frutos.
“Trabalhei no nosso País, e também em Marrocos e no Reino Unido. Desde há 11 anos, que estou baseada na Califórnia, com responsabilidades nos locais onde a empresa tem negócios.”
Hoje, é vice-presidente global do cultivo experimental e investigação, no Departamento de Investigação e Desenvolvimento da multinacional norte-americana.