Para assinalar o Dia da Mãe, fomos conhecer o orgulho e os dilemas de muitas militares. Nem sempre é fácil conciliar a vida nas Forças Armadas com a maternidade, reconhecem várias mulheres. Mas com disciplina, ajuda de familiares, amigos, e das próprias das instituições, é possível ajustar o rigor da missão e a doçura da maternidade.
A distância durante as missões
Raquel Furtado, natural de São Miguel, nos Açores, ingressou na Força Aérea em 2006. É primeiro-sargento na Base Aérea n.º 5, em Monte Real, responsável pela manutenção dos motores, inspecciona a produção e é formadora, entre outras funções.
Além de militar, Raquel também é mãe. Já estava colocada em Monte Real quando nasceu o seu filho, há 8 anos. “Costumo dizer que há uma hora da fusão. Quando despimos a farda – que nunca despimos completamente – para encarar depois o nosso papel de mãe. Se bem que o Simão já ‘nasceu’ na Base e é tão militar como eu”, conta Raquel.[LER_MAIS]
Durante os picos de mais trabalho, é comum ir buscar o menino à escola e regressar com ele à Base, para continuar as suas tarefas. “Os papéis cruzam-se e ele não se importa, até porque só conhece esta realidade.”
Como mãe solteira, deslocada da terra natal, Raquel conta com o apoio de amigos, que cuidam do Simão, mesmo quando esta sai em missão ou se ausenta para fazer algum curso. Foi isso que sucedeu, por exemplo, quando esteve em missão durante cinco dias nos Estados Unidos. “Ele ligava-me todos os dias a chorar e foi complicado para os dois, em termos emocionais. Mas a vida é assim. E é a Força Aérea que nos proporciona o nosso nível de vida e ele aceita”, conta Raquel.
“É uma profissão que exige algum sacrifício pessoal, mas em prol do nosso futuro e é isso que tento transmitir.”
Tanto aceita e respeita o seu papel, que até lhe falou em seguir uma profissão semelhante, mas com os helicópteros, que tanto o fascinam.
Em casa, enquanto mãe, Raquel entende que a educação deve fazer-se com princípios, mas também com liberdade. “Na minha casa há regras, temos tarefas, está tudo delineado e não costumamos ter grandes desvios. Costumo dizer-lhe: se não conseguimos estar num local a horas, chegamos mais cedo. Temos que cumprir as regras da vida, da sociedade. Se sou muito rígida ou não, não sei, nunca se queixou.”
Por outro lado, “uma criança precisa de descontracção, de liberdade, não podemos estar sempre a sufocá-los e a protegê-los. Tem que cair, esfolar os joelhos”, entende Raquel, para quem o essencial é ser “responsável pelos seus actos”.
Uma pequena “tropa” de filhos
“Capitão Ana Meneses, porque aqui não há capitãs”, apresenta -se outra militar da Base Área n.º 5. Com 44 anos de idade, 20 dos quais ao serviço da Força Aérea, Ana, natural de Leiria, passou por Lisboa, Sintra, Ota e Beja até chegar a Monte Real, em 2016.
Licenciou-se em Engenharia Mecânica e até chegou a trabalhar numa empresa em Pombal. Apesar de o pai não simpatizar com a ideia, mal surgiu a oportunidade, Ana não hesitou e concorreu à Força Aérea em regime de contrato. Nunca mais parou. Foi a única forma de poder viver a sua paixão, trabalhar com aeronaves, com manutenção de aviões.
Iniciou a carreira militar sem filhos e foi durante este percurso que teve três crianças. A rapariga mais velha tem hoje 16 anos, o rapaz do meio tem 11 e o mais novo 8 anos. Com marido também militar, ora por necessidade profissional de um, ora por necessidade de outro, ambos foram mudando de localidade, sempre levando as crianças consigo.
Mas nem sempre foi possível evitar a distância dos filhos. Ana acredita ter sentido mais o afastamento do que as crianças. Reconhece que é difícil para quem parte, mas também é complicado para quem fica e tem de gerir sozinho o quotidiano familiar. Por isso, sempre se organizaram para fazer uma visita a quem está longe. “Estive na Holanda e eles foram lá, estive na Roménia e eles também foram visitar.”
Quanto ao papel de mãe, “acho que em casa não sou tão exigente quanto sou no trabalho. Até porque é mais o meu marido que tem esse papel da disciplina.” “É um orgulho vestir esta farda e se eles quiserem seguir esta vida, não me vou opor”, refere a militar. Questionada sobre o facto de as mulheres continuarem a ser uma minoria entre os militares, Ana não encontra razões evidentes. Até porque a instituição tem proporcionado condições às mães, mais do que outras mulheres encontram no universo civil. “Ninguém tem receio de ser despedido por gozar a licença de maternidade até ao fim ou do tempo para amamentar”, exemplifica.
O orgulho de vestir farda
Iolanda Silva, de 38 anos, é natural de Guimarães, integra o Exército há 19 anos, 15 dos quais no Regimento de Artilharia N.º 4, em Leiria. É actualmente sargento-ajudante. “O meu pai foi combatente no Ultramar e toda a vida ouvi falar da guerra. Não era um assunto novo. Eu queria ir para a PSP, mas, entretanto, falaram-me do Exército, deram-me a conhecer a Escola de Sargentos do Exército e acabei por ficar. Gosto disto, pelo facto de ser mais físico, ter mais actividade.”
Como ela, também o marido é natural do Norte. E também ele veste farda. Está a trabalhar em Tancos. Com dois filhos, de 9 e de 3 anos, é preciso organização para gerir a vida familiar. Contam com o suporte do ATL e o marido tenta deslocar-se a casa quase todos os dias. Se for preciso, os amigos mais próximos também ajudam. “O meu marido tem ido a missões e eu fico mais na retaguarda com as crianças”, explica Iolanda, que espera, dentro de alguns anos, também poder participar em missões.
“Talvez quando o mais novo tiver completado 8 anos. Nessa altura serão mais independentes e já me sentirei bem comigo mesma de o fazer”, acredita a sargento-ajudante. Sempre que vai buscar as crianças à escola, é impossível não ser observada pela farda que veste. “O mais velho já tem consciência disso e sente orgulho”, conta Iolanda. Em casa, os meninos vão absorvendo algumas coisas, resultado da vida profissional dos pais, o que “num todo é positivo”, defende a militar. Disciplina e organização são alguns dos valores do Exército que o casal transporta para casa e incute nos filhos, salienta Iolanda.
Bebé veio mudar os planos
Diana Pereira, de 23 anos, é natural de Bucelas e desde cedo quis ir para o Exército. Sempre contou com o apoio da família. Actualmente, em regime de contrato, é 1.º cabo no Regimento de Artilharia N.º 4, em Leiria, patente que, desde há sete meses, concilia com a função de mãe de um menino.
Regressar ao ritmo de trabalho e deixar o filho ao cuidado de uma ama foi muito difícil, admite Diana. No entanto, a instituição tem várias normas que têm em atenção o bem-estar das mulheres mães, realça Diana. A rotina de trabalho é das 9:30 às 16:15 horas, o que lhe deixa tempo para amamentar e cuidar do menino todos os dias. E embora seja possível, as militares nestas condições estão dispensadas de fazer missões ou turnos longos, exemplifica ainda.
Apesar destas condições, regressar ao trabalho “é estranho”. “Aqui visto a farda de militar, mas não deixo de ser mãe. Tenho sempre essas duas vertentes que tenho de conseguir equilibrar, tentando que nenhuma se sobreponha a outra.” Muitas vezes dá por si a executar uma tarefa administrativa e a pensar como estará a criança. Quanto ao futuro, o seu plano é agora voltar ao activo na esfera civil, criando talvez um negócio por conta própria, conta a 1.º cabo, realçando que a sua experiência pelo Exército correu bem.
De Pombal para a Marinha: Noemie Freire, submarinista e mãe
Em 2018, a Marinha dava a conhecer o percurso de Noémie Freire, natural de Pombal. “A primeiro-marinheiro Noemie Freire concluiu o curso de especialização em submarinos, tornando-se a primeira mulher na Marinha Portuguesa com esta especialidade.” “Durante o curso de especialização em submarinos a primeiro-marinheiro Freire demonstrou ser uma militar motivada e interessada, realizando com aproveitamento todas as provas teóricas. As mais de 900 horas de navegação realizadas no curso permitiram verificar o seu entrosamento e adaptação às especificidades das rotinas a bordo de um submarino” realçava a Marinha.
Nessa altura, Noemie contava ao JORNAL DE LEIRIA estar ciente da dureza da tarefa que tinha pela frente, mas reconhecia ser suficientemente determinada para a levar por diante. O afastamento do filho, à época com 3 anos, era um dos constrangimentos que aprendeu a gerir bem.