Sempre que atravessa a cortina e sobe ao ringue, Mauro Chaves torna-se em The Activist (O Activista), o lutador de wrestling que defende o veganismo até às últimas consequências. A convicção é tal que quando derrota os adversários, retira das cuecas um pedaço de couve em formato de caldo verde e obriga-os a comer.
Nojento? Provavelmente, mas é precisamente essa a mensagem que o lutador português quer fazer passar, porque ele também se enoja com todos aqueles que, nos dias de hoje, continuam a comer carne e são coniventes com as maldades por que os animais passam nos matadouros.
Tudo começou em Vieira de Leiria
Ele é, há meio ano, campeão da London Lucha League, uma competição inglesa que tem vindo a ganhar expressão no seio da modalidade. No entanto, tudo começou em Vieira de Leiria, onde residiu com os pais quando era criança. “Lembro-me perfeitamente de ir com o meu pai arrendar cassetes VHS das Tartarugas Ninja”, conta o lutador de 26 anos.
“Sempre tive interesse em desportos de luta, mas era mais o entretenimento que existia à volta da porrada. As Tartarugas Ninja eram um bom exemplo, porque eram sempre os bons da fita. Havia algo, não sei se as cores das personagens ou o bem vencer sempre o mal, que me captava e eu, desde criança, queria ser um Power Ranger.”
Contacto com o wrestling
Mas a vida de Mauro Chaves passou a ter um propósito quando, aos 10 anos, teve o primeiro contacto com o wrestling. “Estava a fazer zapping no quarto e aparecem-me dois homens mascarados a lutar. Um deles, o Kane, fez um chokeslam ao The Hurricane e o programa acaba logo de seguida.” Decidiu que na semana seguinte teria de estar mais cedo em frente ao ecrã.
“Pedi se podia jantar mais cedo, fui a correr para o quarto e assisti a algo que me marcou, de tal forma que decidi que precisava do wrestling na minha vida, porque me propiciava emoções que nunca tinha sentido.” Uma cena com as estrelas Randy Orton, Batista, Rick Flair e Triple H, “todos muito musculados”, com traições à mistura e muitos pontapés. “Percebi que não podia viver sem aquilo. Adoro as emoções que me faz sentir. ”
CM Punk, Jeff Hardy, Shawn Michaels, Thiple H e The Edge foram as cinco maiores influências de Mauro Chaves. “Tinham caparro, cabelo comprido e tatuagens. Queria ser assim quando crescesse”, explica o lutador que regularmente vai a Pombal matar saudades do progenitor.
Foi ver os espectáculos da WWE a Lisboa, mas tinha os bilhetes mais baratos, correspondente àqueles lugares que quase necessitam de binóculos. Saltou bancadas e fugiu de seguranças, tudo para ficar mais próximo dos seus heróis. Chegou até Triple H. “Toquei-lhe no peito e na mão. Fiquei maluco e decidi que queria ser lutador de wrestling.”
[LER_MAIS] Começou a treinar. Primeiro na Ajuda, depois em Queluz. Foram mais de dois anos de trabalho árduo até estar pronto. A estreia oficial decorreu em 2014, na Taça Tarzan Taborda, disputada em Portimão. Após cinco espectáculos, Tony de Portugal, a lenda viva do wrestling no País, disse-lhe que tinha talento e devia emigrar. Foi o que fez, em Maio de 2016. “Sou novo, tenho um sonho e vou correr atrás dele”, pensou.
Mudança vegana
Há dois anos e meio que Mauro Chaves vive em Londres. Está “bastante feliz” a fazer algo que gosta. Dentro e fora dos ringues, porque de segunda a sexta-feira é chefe de cozinha num restaurante vegano da capital britânica, o Mother.
A namorada mostrou-lhe um vídeo no You Tube (Best Speech You Will Ever Hear, de Gary Yourofsky) e a partir desse momento percebeu que não tinha outra hipótese. “Fez-me ver o que nunca tinha visto. Somos o que somos, comemos o que comemos, porque alguém nos diz que deve ser assim. Quando foi a última vez que pensaram por que tem de ser leite ao pequeno-almoço? Esse vídeo mostra isso e o que acontece nos matadouros. Decidi que não quero contribuir para o sofrimentos desses animais.”
Foi a “melhor decisão” que podia ter tomado. “Nunca estou doente e se estou com dores decorrentes do wrestling recupero mais facilmente. Só me tem trazido vantagens e sinto-me um ser humano melhor. É preciso pensar em nós, mas também nos outros. Se déssemos mais amor, o mundo seria um sítio muito melhor.”
Já percebeu de onde vem a inspiração para a personagem? Mauro Chaves decidiu replicar o que acontece com as grandes personagens neste mundo de espectáculo. “São uma extensão da personalidade do lutador. Resolvi falar de veganismo e a figura foi crescendo”, explica.
E assim nasceu The Activist, imagem que quer transmitir fortes convicções através do wrestling. Quem for a um show vê-o a gritar vegan power e a fazer trocadilhos entre as expressões kill (matar) e kale (couve). “Tiro couve das minhas cuecas e ponho na boca dos meus oponentes. Porque é nojento e para verem o que sinto quando os vejo a comer animais.”
Coisas que só pode dizer da boca para fora quando o alter ego está activado. “Quando estamos no ringue tornamo-nos em alguém que não somos e é a melhor sensação do mundo. Nunca diria que alguém é nojento, mas dentro do mundo do wrestling é perfeitamente aceitável. Sou uma personagem desde que passo a cortina até voltar aos camarins.”
Mais do que ginástica
Mas não se pense que tudo é magia neste mundo de ilusões. O treino é intensivo e são horas a fio passadas a aprimorar os movimentos. “Demora muito tempo até fazer bem os golpes e o corpo se habituar a cair. Infelizmente, os ringues não são fofos. São compostos de metal, tábuas e a camada de esponja é muito fina. Dói bastante e temos de praticar muito, com repetições sucessivas para evitar cair com certas partes do corpo, como a cabeça ou os rins.”
Aparentemente, Mauro Chaves é bom no que faz, ou não fosse campeão da London Lucha League. Por norma, vai três a quatro vezes por semana ao ginásio e uma a duas a treinos de técnicas de wrestling. E isso é muito mais do que aplicar bem os golpes e saber cair. “É saber o que fazer, quando fazer, ter uma personagem interessante, saber interagir com o público e fazer passar emoções. Também temos de fazer com que os golpes do oponente pareçam credíveis, porque estamos a contar uma história com os nossos corpos e se não o fizermos vai parecer muito mal.”
No fundo, “é preciso perceber como o negócio funciona”. “Podes ser muito bom nas manobras de wrestling, mas se não sabes falar ao microfone ou entreter o público não serves. Sempre tive jeito e percebi as pequenas coisas que fazem o espectáculo funcionar. Não vivo do wrestling, mas ajuda-me a pagar as contas. Resta-me continuar e quem sabe um dia chego ao grande mundo da WWE.”