Sentada numa cadeira, mesmo ao lado da caixa registadora, Odete Neves, de 70 anos, faz companhia à funcionária da loja, Vanessa dos Santos, de 26. Ambas imigrantes, naturais da Guiné-Bissau, partilham memórias sobre a sua terra natal.
Não é uma mercearia qualquer. “Se tivesse mais dinheiro, comprava tudo”, conta Odete. Chama-se África Minha, fica em Leiria, e é um estabelecimento que vende os mais diferentes géneros de produtos africanos. “Compro aqui o arroz. O nosso é diferente. É perfumado. E óleo de palma, que é bom para frituras e também para molho de peixe e carne”, exemplifica a septuagenária.
Odete veio para Portugal, onde tem família. E Vanessa tem o propósito de concluir o seu curso de jornalismo, em Coimbra. Para ambas, a loja é uma forma de matar saudades dos sabores africanos e é um cantinho de calor, para quem, como elas, ainda não se habituou ao frio europeu.
À medida que diferentes comunidades ganham expressão em Portugal, vão sendo mais comuns as lojas de produtos típicos de outras latitudes. Mais do que estabelecimentos comerciais, estas lojas são muitas vezes ponto de convívio e até de entreajuda entre cidadãos estrangeiros.[LER_MAIS]
Elisabete Carington, proprietária da loja África Minha, partilha essa visão. Decidiu abrir o estabelecimento em 2022, “porque só havia artigos assim nas grandes cidades”. Hoje, não faltam na sua loja produtos para que os africanos mantenham os seus hábitos culinários: farinha de milho branco, amarelo e preto, amendoim, fejão ou sumo de limão, exemplifica Elisabete, também ela natural da Guiné.
Sabores da América do Sul chegam a Fátima
Iris Haouara, de 56 anos, chegou a Portugal há 6, determinada a dar continuidade ao género de negócio que já geria na Venezuela. Fátima foi o local que a cativou, para residir e trabalhar na sua loja: Supermercado y Frutaria Amanhecer. Neste espaço, conta a proprietária, vende-se um pouco de tudo, desde artigos da Venezuela, do Brasil, da Colômbia, Peru ou Argentina.
A comida tem capacidade de reunir imigrantes de muitas nacionalidades na sua loja, salienta satisfeita a comerciante. Além daqueles que residem no distrito, chegam também muitos venezuelanos, imigrantes em vários pontos do mundo e que, de visita a Fátima, passam neste supermercado para matar saudades das origens.
“Uma pintora venezuelana, que vive nos Estados Unidos, chorou na minha loja quando provou um produto típico da nossa terra. Lembrou-se de quando era pequena”, recorda Iris. “É muito gratificante”, refere a lojista, agradecida também pelo acolhimento que sente dos portugueses.
“Têm boa memória e sabem como foram bem recebidos na Venezuela quando a situação em Portugal não era boa.” E para quem nunca experimentou, Iris recomenda que ninguém saia da sua loja sem levar cocosette, deliciosos waffles venezuelanos recheados com creme de coco.
Aromas vibrantes do Oriente na Marinha Grande
Entrar na loja Rana Indian Mercado, na Marinha Grande, é de imediato sentir os aromas vibrantes do Oriente. Foi há cerca de 10 anos que este estabelecimento abriu, conta Raj, primo do proprietário. Operário fabril, Raj está casualmente a ajudar na loja, acompanhado pela música do rádio. Explica que são canções religiosas.
São muito poucos os artigos portugueses. Afinal, são os indianos, paquistaneses e nepaleses os seus maiores clientes. Chegam de vários pontos da região, desde a cidade da Marinha Grande até à Praia da Vieira, mas também de lugares mais distantes como Pataias e Batalha, em busca de especiarias e outros ingredientes que os mantêm ligados aos seus pratos tradicionais.
Pão de queijo para brasileiro e leiriense
Em 2009, Lohaynne Santos era ainda adolescente quando trocou o Brasil por Portugal. Conheceu primeiro a capital, onde teve vários empregos, desde a restauração a lojas de shopping. Foi quando se mudou para Leiria, em 2017, que a jovem sentiu falta das várias lojas de artigos brasileiros que tinha frequentado na capital.
“Senti que era uma necessidade e decidi enfrentar o desafio”, conta a empresária, hoje com 33 anos.
No início era mais complicado e havia muita burocracia. Actualmente já é mais simples estabelecer negócios com fornecedores do outro lado do Atlântico, conta Lohaynne.
Pelo seu espaço comercial passam não apenas brasileiros, mas também pessoas naturais desta região. E chegam de vários pontos de Leiria, Batalha ou Pombal, exemplifica a comerciante. Afinal, não existem assim tantas lojas que matem a saudade do povo brasileiro e a curiosidade dos portugueses.
O pão francês e o pão de queijo estão entre os artigos mais procurados. A loja é um sítio onde se fazem compras, onde se conversa e onde se procuram informações. “Temos um painel que ajuda a procurar casa, procurar trabalho”, conta Lohaynne. É um local onde a comunidade manifesta solidariedade, reconhece.
Casada com um brasileiro, a jovem empresária tem um filho de 6 anos,“mais português do que brasileiro”, a quem o casal faz questão de apresentar os sabores da sua terra natal.
Um pouco de Leste por todo o País
Também os sabores do Leste têm a capacidade de reunir, junto da mesma prateleira de supermercado, imigrantes russos, moldavos, romenos, polacos, búlgaros ou ucranianos.
Criado na Alemanha por famílias imigrantes de Leste, o grupo Monolith chegou a Portugal há precisamente 20 anos, tendo inaugurado a sua primeira loja em Lisboa. Volvidas duas décadas, são já 21 os estabelecimentos distribuídos por todo o País, dedicados ao comércio de produtos alimentares provenientes de países da Comunidade dos Estados Independentes, dos países bálticos, Polónia, Roménia e dos Balcãs.
No nosso distrito, o grupo conta com duas lojas: Mini-Mix Leiria e Mini-Mix Caldas da Rainha. E, em breve, será inaugurada uma outra loja na zona de Lisboa, adianta Gennady Romanenko, representante do grupo em Portugal.
Monolith é um dos principais distribuidores grossistas de produtos seleccionados da Europa de Leste, contando com mais de duas mil referências. Fora do território português, além de lojas, o grupo detém também fábricas, que confeccionam grande parte dos artigos que comercializa. Em Portugal, as lojas recorrem também a fornecedores imigrantes de Leste, gente que trabalha na agricultura e com quais estes supermercados têm confiança e proximidade.
Entre os 50 funcionários de lojas, mais 11 colaboradores de armazéns e outros tantos de escritório, todos os recursos humanos do grupo em Portugal são oriundos de Leste, refere Gennady Romanenko.
A entreajuda é evidente. Sobretudo no início da guerra, foi muitas vezes nestas lojas que muitos cidadãos procuraram ajuda, fosse para procurar casa ou saber como tratar de documentação, explica o responsável.
E quanto aos artigos mais vendidos nestas lojas, depois dos bombons de chocolate, que estão no topo das vendas, é grande a procura por bolinhos de carne e batata, kefir, queijo fresco, arenque salgado ou gelado,