Em pleno Verão, quem tem negócio aberto na praia já faz contas à vida. A Covid-19 deixou muitos portugueses sem trabalho e outros tantos, que mantiveram o seu emprego, viram mesmo assim o seu poder de compra ficar reduzido devido à pandemia. Até quem ainda tem algum dinheiro para despender nas férias está com receio de frequentar locais movimentados.
E sem o forte impulso que todos anos é assegurado pelos turistas estrangeiros, todos os negócios de praia se ressentem. E muito. Ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, os empresários falam de quebras de 50% a 70%, sendo que, para alguns, esta poderá ser mesmo a última época em actividade.
“Ontem, durante todo o dia, só tive uma mesa ocupada no restaurante”, relata Nuno Fonseca, gerente da pizaria Costa Verde, na Praia da Vieira. Com casa aberta há cerca de uma década, o empresário diz que o seu negócio nunca viveu tempos tão difíceis, nem mesmo durante os tempos da famigerada austeridade.
“Só não fecho a pizaria às 21 horas por vergonha”, admite Nuno Fonseca, que aponta quebras de vendas de “60% ou 70%” face ao ano passado. “Trabalha-se ao fim-de-semana e pouco”, nota o empresário, para quem a única salvação tem sido o serviço de take away. Sem os espanhóis que habitualmente ficam instalados nos hotéis da praia, não são os portugueses, sobretudo agora em fase de maior contenção, que estão dispostos a fazer refeições fora, aponta Nuno Fonseca.
A Covid-19 veio impor várias regras. O distanciamento e a redução do número de mesas no restaurante é uma delas. Mas, lamenta o dono da pizaria, “eu nem estou a precisar de tantos lugares”.
Na porta ao lado, também a gerente do restaurante Darpaladar fala de uma quebra no negócio situada nos 70%. E tal como Nuno Fonseca, também Carolina Quiaios sente a falta dos estrangeiros na Praia da Vieira. “Agora só conseguimos encher a sala ao domingo”, relata a jovem, que em todas as ocasiões passou a ouvir ‘uma dose dá para quantos?’.
“No ano passado empregávamos oito a nove pessoas. Este ano empregamos quatro e uma quinta que ajuda em part-time”, compara Carolina Quiaios. “Se no Inverno não há gente e se no Verão não há movimento que chegue para compensar o Inverno, em Setembro entrego as chaves”, expõe a gerente.
Na Praia da Nazaré, qualquer que seja o negócio, o panorama é o mesmo. Ao balcão da Carbel, loja de artesanato que este ano celebra cinco décadas de actividade, Carlos Vicente fala de uma redução no número de turistas estrangeiros e de turistas portugueses também. Ainda não fez bem as contas, mas garante que o negócio teve uma quebra muito significativa. As suas esperanças recaem agora sobre o mês de Agosto, mas o lojista reconhece que, mesmo havendo algum aumento de movimento face a Julho, este será sempre um Agosto de um ano atípico.
É de um ano atípico que nos fala também Alfredo Vicente, proprietário do restaurante Adega Oceano e do Hotel Oceano, ambos situados na avenida marginal à Praia da Nazaré. À frente deste negócio herdado da família, e que já explora há cerca de 30 anos, Alfredo nunca registou um período tão mau. “Temos uma quebra de 50% em comparação com Julho do ano passado”, estima o empresário, ciente de que, mesmo melhorando um pouco em Agosto, este mês nunca chegará aos valores de 2019. Também nesta praia são poucos os estrangeiros e os emigrantes.
A maioria da procura é nacional, aponta o empresário. “Uns não viajam por medo e outros devido à quebra do poder de compra”, supõe Alfredo Vicente. Aqui, as mudanças trazidas pela pandemia são notórias. E não foi apenas o número de mesas disponíveis para comer que ficou reduzido. Das 40 pessoas que o hotel e o restaurante empregavam, mantém- se agora em actividade uma equipa de apenas 25 elementos. “É uma quebra generalizada, segundo me dizem os colegas”, lamenta o empresário.
Nem o tempo ajuda
Sentado à entrada da loja, Armando Martins vê quem passa pela Praia de Paredes da Vitória. No estabelecimento que gere há 25 anos com a esposa, Anabela Martins, o comerciante tem de tudo o que faz falta a quem queira estender a toalha no areal: chinelos, jornais, revistas, tabaco… mas são este ano muito menos aqueles que passam e muito menos aqueles que compram. “Nota-se uma quebra de cerca de 70% em comparação com o ano passado”, estima Armando Martins. Só no fim-de-semana é que há mais movimento, nota o comerciante, que justifica esta redução com o medo e com a perda de poder de compra resultante da pandemia. Aumentar os lugares de estacionamento poderia ajudar, porque deixar o carro longe do areal também demove muitos de escolher a Praia de Paredes da Vitória, defende o comerciante.
O final de Julho nem sempre teve os dias mais rasgados de sol, mas, sublinha Armando Martins, em anos anteriores a meteorologia também foi incerta e, mesmo assim, havia mais gente na praia. Do seu ponto de vista, em Agosto o cenário poderá ser ainda pior. Temendo que a zona possa ser muito movimentada, e que isso agrave o risco de contágio de Covid-19, até podem ser mais aqueles que ficam em casa do que aqueles que se deslocam à Praia de Paredes, acredita o comerciante. Aos 60 anos, “é com muita [LER_MAIS]preocupação” que vê o futuro. “Se para o ano se mantiver assim, encerramos. Não quero deitar a perder toda uma vida de trabalho”, expõe Armando Martins.
Na pequena loja, entre bolas de Berlim, mercearias e utilidades de praia, são os clientes de Cremilde Raimundo que se queixam do tempo e do quão injusto pode ser arrendar casa na Praia de Paredes, já que se arriscam a pagar para ver céu nublado todos os dias. Com estabelecimento aberto desde 1983, a comerciante reconhece que o movimento diminuiu face ao Verão passado, mas assegura que, em comparação com outros negócios, como é o caso do arrendamento de habitações aos turistas, no seu ramo ainda não tem muitas razões de queixa. Afinal, nota, os seus artigos de mercearia são bens essenciais.
Turistas da região. E poucos
Natália Loureiro gere o restaurante A Fonte, bem como o bar de praia O Velho Marinheiro, na Praia de São Pedro de Moel, e adianta que este ano, quer no bar quer no restaurante o movimento é assegurado, na sua esmagadora maioria, por clientes da região. Turistas de fora são poucos. Pernoitam três ou quatro dias, uma semana no máximo, pelas unidades hoteleiras locais, e partem. Estrangeiros, franceses e espanhóis, só timidamente começam a chegar agora, relata a empresária. O negócio caiu para metade face a 2019, e tem sido sobretudo o regime take away, bem como as entregas de refeições ao domicílio – uma novidade que Natália Loureiro instituiu em tempos de quarentena – que têm servido de balão de oxigénio. “Mas não dá margem de lucro para nada”, desabafa a empresária, que também não tem grandes expectativas acerca de um Agosto que se prevê igualmente atípico.
“No restaurante, trabalha-se muito com o parto do dia” e, embora a empresária tenha optado por não aumentar preços, as refeições de peixe fresco não estão ao alcance de todos. “O senhorio também nos perdoou duas rendas, tem sido espectacular”, reconhece Natália Loureiro que, apesar de todos os esforços, está muito apreensiva quanto ao futuro.
Na mesma praia, Lurdes Sousa monta a sua banca, onde vende bolos e frutos secos há mais de 40 anos. Também ela tem percebido que há menos movimento em São Pedro de Moel, porque, constata, cada vez se arrendam menos casas de férias por ali. Também Lurdes Sousa refere que os turistas são essencialmente pessoas da região e que compram este ano muito menos do que antes. “Vendia três sacos de bolos de amendoim, cada um com 60 unidades. Agora, tenho dias em que vendo um, outros dias em que vendo meio”, compara a comerciante.
Praia do Pedrógão, a excepção
Ao contrário das restantes, a Praia do Pedrógão parece não ter sofrido grandes impactos com a pandemia. Ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, os empresários afirmam não ter sentido quebras no seu negócio, acreditando que as pessoas estão, neste Verão, a escolher areais mais extensos nos locais costeiros menos povoados.
André Carreira, gerente da hamburgueria e marisqueira O Combinado, explica que este espaço, aberto há cerca de 30 anos, tem vindo a modernizar-se a cada ano que passa, criando “uma dinâmica que tem dado resultado.” Este ano, motivados pela pandemia, apostaram bastante no espaço ao ar livre e por isso fundiram os menus, para que tanto seja possível saborear um hamburguer como um prato de marisco na zona exterior. O marketing e a divulgação têm sido outras ferramentas importantes, acrescenta o gerente. Ao contrário de outras épocas balneares, este ano a procura não tem sido tão expressiva da parte dos habituais campistas, mas de outras pessoas que “estão a evitar locais que eram mais concorridos”. É gente que está a “descobrir estes recantos”, observa o gerente.
“O mês de Agosto ainda não sei como irá correr, porque não sei se os emigrantes virão, e porque as pessoas estão a tratar de arrendar casa com pouco tempo de antecedência, para perceberem como evolui a situação da Covid-19”, expõe André Carreira.
Com esplanada e restaurante, o estabelecimento A Rocha, na mesma praia, também não registou quebras no negócio. Ilídio Lopes, proprietário do espaço, explica que, se por um lado o restaurante registou alguma redução no movimento, o trabalho na esplanada acabou por compensar. Teme, no entanto, que o Inverno possa ser mais duro e que a pandemia possa regressar em força nesse período, o que exige ter de fechar portas durante esses meses.