José Maria Querido deu os primeiros passos no andebol pelo Ateneu de Leiria e, antes de dar asas ao andebol no AC Sismaria, jogava pelo Sporting Marinhense. Hoje, sem papas na língua, assume-se como “pai do andebol em Leiria” e lembra-se que a pior coisa que um treinador podia fazer era deixá-lo no banco.
Dia e noite, a vontade era ter uma bola nas mãos para saciar a vontade de rematar. Antes de estar ligado ao AC Sismaria, já fazia parte da sua história. “Assentei arraiais aqui com 11 anos. Na altura, o clube abria quando apetecia aos dirigentes, as pessoas trabalhavam”, lembra.
Corria o ano de 1974 quando o Marinhense se sagrou campeão distrital, mas “não havia ninguém para entregar as medalhas”.
José Maria Querido disponibilizou- se para arranjar uma equipa de andebol “da estação” para fazer um jogo e entregar as medalhas. “Eu, em vez de jogar para o Marinhense, joguei pelo Sismaria. E então ganhámos. Recebi a minha medalha do Marinhense com a camisola do Sismaria”, recorda.
No mesmo ano, o jovem atleta perguntou ao amigo, também adepto de andebol, Vítor Violante: “Porque não arranjamos aqui [no AC Sismaria] uma equipa de andebol?”. A ideia estava lançada, mas esbarrou, por momentos, contra a direcção, que levantou a questão dos custos do material. “Nós assumimos o compromisso de fazer os equipamentos e pagá-los”.
Naquela altura, Leiria não tinha lojas de desporto e os jovens encontraram uma fábrica em Minde que deu vida ao sonho destes adeptos.
No mesmo ano, surge também o andebol na União de Leiria e a rivalidade acende-se. Arrancava a “febre do andebol” em Leiria e, em dias de jogo, a população deslocava-se em procissão até ao pavilhão para torcer pelos seus, a envergar bandeiras e a entoar os cânticos associados aos clubes.
“A partir dali, começou a criar-se um bairrismo e uma clubite, às vezes também doentios”, afirma, entre risos, o actual presidente do AC Sismaria.
No primeiro campeonato distrital, o clube da estação foi derrotado pela União de Leiria, no jogo de apuramento para a divisão nacional, “por um golo marcado no último minuto de penálti de sete metros pelo José Sebastião, que eu continuo a achar que foi um penálti mal marcado e roubado”, defende, praticamente 50 anos depois do lance.
Nos tempos áureos do andebol, o Sismaria levava largas centenas de adeptos aos jogos. Houve um “crescimento exponencial”, agudizado pelas conquistas. O andebol no AC Sismaria surgiu em 1974 e, quatro anos depois, a equipa já subia à primeira divisão. “Chegou a um ponto que tínhamos 40 pessoas a treinar.”
Sobretudo, vivia-se a “mística” do AC Sismaria no seu pleno, com adeptos, jogadores e dirigentes a contribuir activamente para a dinamização do clube.
As dificuldades também fazem parte da história do andebol da Sismaria e todo o fervor inicial foi desvanecendo com os anos. Mesmo com o AC Sismaria a correr-lhe no sangue, José Maria Querido esteve 25 anos afastado do clube. Regressou em 2020 quando soube que não havia solução directiva, mesmo sob a ‘ameaça de divórcio’, vinda da esposa.
Respondeu ao convite e não se divorciou. No ano seguinte, tomou uma decisão difícil. Sem encontrar equipa técnica, viu-se obrigado a terminar com a equipa sénior, situação resolvida no ano seguinte.
Hoje, o AC Sismaria está no lugar “que lhe pertence” e milita na II Divisão Nacional. O primeiro desafio da época está marcado para o próximo sábado, 21 de Setembro, contra o Alavarium, pelas 15 horas, no pavilhão da equipa adversária.
No entanto, o problema que colocou José Maria Querido na direcção é aquele que também o impede de sair. “Olho para o clube com muita preocupação porque não tem sucessão. Não há candidatos, não há ninguém que queira vir substituir esta direcção”, lamenta.
O dirigente pinta uma tela negra quando fala sobre o futuro do clube, dizendo mesmo que está a caminhar “para a sua extinção”. A próxima Assembleia Geral acontece em Outubro, onde o futuro do Sismaria será decidido.
“Mística” sobrevive nos meandros das equipas
Mesmo com o vazio directivo, há quem ainda viva a mística do AC Sismaria como se estivesse em 1974.
Além das equipas federadas, um conjunto de antigos jogadores e adeptos da modalidade junta-se, às quartas-feiras, para matar saudades da modalidade. Os treinos dos masters costumam contar já com mais de 20 pessoas, associados ao princípio que sempre guiou o andebol no clube ao longo destes 50 anos: todos são bem-vindos, mesmo quem nunca jogou andebol. “Até numa equipa onde não há competição, nota-se o espírito da Sismaria”, revela Paulo Renato, um dos jogadores, ao acrescentar que, este ano, os jogadores vão ser federados. “É apaixonante.”