“Com 80 anos e apenas com a reforma do marido, como vamos procurar casa nova?” A pergunta, em jeito de desabado, é de uma moradora residente no bairro da prisão de Leiria, cujo marido, antigo funcionário do Estabelecimento Prisional Jovem, foi notificado para restituir a casa de função lhe estava atribuída.
Na mesma situação encontram-se os residentes em 14 casas a quem a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) deu um prazo de 90 dias para entregarem as habitações, “sob pena de instauração de competente procedimento de despejo”, lê-se na carta a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso.
No documento, a tutela justifica a decisão com a “obrigação legal” de restituição da casa de função devido à situação de aposentação. Sem contestarem o argumento, os moradores, na maioria com “mais de 70 e de 80 anos”, alegam que permaneceram nas habitações após a reforma “com autorização”.
“Se não tivéssemos ficado, as casas estariam a cair como estão tantas no bairro”, afirma um antigo guarda, que, à semelhança dos outros moradores com quem o JORNAL DE LEIRIA falou, pede o anonimato. Um outro residente alega que foram eles que, ao longo dos anos, fizeram a “manutenção e conservação” dos edifícios, “investindo muito dinheiro”, e que até taparam os buracos na rua.
Os antigos funcionários prisionais dizem-se “muito preocupados” com o seu futuro, alegando que, com a escalada de preços no mercado imobiliário, será difícil encontrarem nova casa a preços que possam pagar.
Os residentes pedem, por isso, que lhes seja dada a oportunidade de ficarem, com o aumento da renda, que é de 7,5 euros, para um valor “justo”. “Agarrarem- se à Lei para nos porem na rua não é correcto.”
Atenção aos casos de “maior sensibilidade”
O Ministério da Justiça explica ao JORNAL DE LEIRIA que as notificações decorrem de “uma auditoria realizada pela Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça”, que motivou “um levantamento exaustivo do universo das casas de função afectas aos Estabelecimentos Prisionais e aos Centros Educativos”.
Segundo a tutela, desse trabalho resultou a identificação de “várias situações de desconformidade face ao quadro legal vigente”, tendo sido iniciado o processo de notificação dos ocupantes “em situação irregular” para procederem à entrega das casas.
O gabinete da ministra Catarina Sarmento e Castro garante, contudo, que a DGRSP, entidade que está a conduzir o processo, “atenderá aos casos expressamente reclamados de maior sensibilidade social e humana, legitimamente reconhecidos como merecendo protecção”.
Essas situações serão comunicadas ao IGFEJ, o organismo a quem compete a gestão do património imobiliário afecto à Justiça, que “no leque das suas atribuições decidirá pela eventual manutenção da situação ou pela inserção dos ocupantes em programas públicos de apoio social e realojamento”.
Concurso a decorrer
O Ministério da Justiça esclarece ainda que as habitações entregues, “se reunirem condições de habitabilidade”, integrarão os próximos procedimentos concursais de atribuição de casas de função.
Ao que o JORNAL DE LEIRIA apurou está já a decorrer um concurso para a atribuição de seis fogos de vária tipologia (T2, T3 e T5), considerados em estado “razoável” e bom”. De acordo com a legislação, a atribuição da casa de função faz- -se “com carácter precário” e dela podem beneficiar funcionários em exercício de funções, nomeadamente, guardas prisionais.