Dezassete mosaicos romanos em tons de vermelho, amarelo, azul e branco que fazem parte do conjunto de mosaicos romanos mais importantes já descobertos em Portugal.
A 45 minutos de distância de Leiria e Coimbra, a residência senhorial dos condes de Castelo Melhor, em Santiago da Guarda, é, desde 1978, o único imóvel no concelho classificado como Monumento Nacional.
É também o único exemplar de arquitectura civil manuelina no município de Ansião, e é, desde 2002, uma janela para o Portugal de há 16 séculos. Passamos a explicar, passo a passo, porque esta é uma narrativa cheia de episódios e de histórias que a História esqueceu.
Em 1996, o imóvel, quase totalmente em ruína, e cuja arquitectura quinhentista alojava a mercearia onde os habitantes se abasteciam de feijão, açúcar e outros produtos, foi adquirido pela autarquia. Em 2000, começaram os trabalhos de consolidação das paredes e restantes estruturas.
E foi quando, com o decorrer das obras, em 2002, que o espaço haveria de revelar um dos seus segredos bem guardados. A quase dois metros de profundidade, estava escondida uma villa romana, com alguns dos mais belos e bem conservados mosaicos romanos achados em Portugal, capazes de rivalizar até com a vizinha Conimbriga (Condeixa).
A residência, conhecida localmente como “o castelo”, segundo informação da autarquia, é atribuída aos Vasconcelos Ribeiros e Sousas do Prado, mantendo- se na posse da família desde o século XVI até à segunda metade do século XIX, integrada no Morgado da Moita Santa. Em 1835, com o fim da guerra civil, os morgadios foram extintos e o imóvel aparece referido como “palheiro e curral”, na descrição da Quinta Santa.
O antigo “castelo”, como é conhecido localmente, conta com uma planta quadrangular, com quatro alas em torno de um pátio central, rodeado de janelas manuelinas. No interior, existe uma pequena capela quinhentista, com abóbada de nervuras, sustentados por mísulas, também com com decoração contemporânea à época de construção.
Até 2000, o antigo espaço de culto serviu de palheiro. O acesso à parte superior da torre quatrocentista, com os seus merlões e ameias, é, hoje, feito através de uma escadaria metálica, [LER_MAIS] deixando para trás frestas, janelas góticas e seteiras. Do topo, é possível avistar- -se o ponto mais alto da Serra de Sicó, a aldeia de Alvorge, onde existem ainda as ruínas de uma torre semelhante e o vale em direcção a Torre de Vale Todos, que também contaria com uma estrutura defensiva do mesmo tipo.
A torre original terá sido mandada construir por Afonso Henriques e insere-se num conjunto defensivo onde se incluem fortificações de Arouce, Dornes, Lousã, Penela, Pombal, Leiria e Montemor-o-Velho. Para visitar a torre quatrocentista, é necessário solicitar a sua abertura na cafetaria. Em 2005, com a restauração do Paço Quinhentista, foi recuperado parte do antigo fulgor de épocas há muito passadas.
Segundo Marcelo Afonso, da autarquia, o espaço que faz parte da Associação Portugal Romano e da Rede de Castelos e Muralhas do Mondego, pode ser visitado todos os dias da semana, à excepção das segunda- feiras. Tesouro trazido à luz do dia Entre 2002 e 2005, uma villa tardo-romana, dos séculos IV e V foi sendo trazida à luz do dia.
Ao todo, além de várias estruturas arquitectónicas, foram localizados 17 pavimentos policromos. Terá sido a existência desta antiga casa e da torre da Reconquista, que levou os proprietários, na época quinhentista, a escolher o local para edificar a sua nova residência.
A habitação romana seria bastante grande, para os padrões da época, e luxuosa, com átrio, peristilo, triclinium, uma zona de culto e até teria um dispositivo para aquecimento do ar e, segundo vários investigadores, esta villa insere-se numa linha geográfica de romanização da Lusitânia, iniciando em Coimbra, com o criptopórtico no Museu Machado de Castro, passado por Conimbriga, Rabaçal, Santiago da Guarda e Tomar.
Aliás, é reconhecido que Conimbriga, Rabaçal e Santiago da Guarda, possuem o conjunto de mosaicos romanos mais importantes de Portugal. Nas traseiras da residência, há um anfiteatro onde, nos tempos romanos, existiria um complexo termal privado da família.
Ao longo de dezenas de metros quadrados, há flores de lis simplificadas, desenhos circulares, linhas, voltas, flores e cornucópias, e muitos outros padrões geométricos, pacientemente desenhados com recurso a pequenas pedras, como era costume na arquitectura romana.
Uma tal extensão de pavimentos profusamente decorados demonstra que os proprietários eram pessoas de posses e de bom gosto artístico, capazes de dispensar uma parte substancial do seu rendimento numa decoração rica e cuidada.
Datados de finais do século IV ou inícios do V, os mosaicos contam com quatro tons principais; o vermelho, cor do Império, amarelo, cor da fortuna, azul e branco. Segundo o guia que mostra o local aos visitantes, toda a área dentro e fora do edifício foi sondada e escavada arqueologicamente, tendo-se concluído que, provavelmente, nada mais há para descobrir no subsolo.
O domínio romano do território iniciou-se em 29 a.C., com o assassinato de Viriato, traído por um companheiro de armas a soldo dos romanos e o vínculo a Roma durou até 411, quando o imperador Flávio Honório ofereceu a Lusitânia aos invasores Alanos, para evitar que estes se fixassem em territórios mais próximos da capital do Império Romano do Ocidente.
Esta villa data da parte final da ocupação imperial, pouco antes da chegada das hostes germânicas. O espaço está dotado de uma oficina de arqueologia e centro de documentação, de um alojamento para acolher investigadores, uma sala polivalente cujo pavimento em vidro permite ver observar estruturas romanas e mosaicos agora à vista de todos, de um espaço que pode ser usado em contexto multimédia, de salas de exposição e de uma cafetaria que também funciona como loja de artesanato local e onde são vendidos artigos endógenos como o queijo, o azeite, o mel ou os premiados biscoitos locais baptizados como Lesmas com Pinhão.
Residência de senhores e de peregrinos
A residência senhorial pode ter funcionado como albergaria para os peregrinos que se deslocavam do Sul para Norte, em direcção a Santiago de Compostela. Pelo menos, é o que parece indicar uma vieira, o símbolo universal dos Caminhos de Santiago, esculpida por cima de uma das portas no pátio interior.
Em meados de Setembro, o “castelo” é utilizado, não para realizar feiras medievais, mas para um evento de inspiração romana, o Mercado Romano de Ansião, inspirado na realidade de uma região ligada pelas descobertas arqueológicas locais.
Há cerca de dois mil anos, a estrada que ligava o Sul ao Norte do território da Lusitânia Ocidental, passando pelo Rabaçal, Santiago da Guarda, Conímbriga e Tomar estava localizada nas proximidades, incentivando o estabelecimento de populações e povoados, como demonstram os achados.