Álvaro André costuma dizer que entre os 30 e os 40 anos viveu em “piloto automático”. Uma vida marcada pelo stress no trabalho e problemas familiares levaram-no a refugiar-se na comida e o aumento de peso tornou-se inevitável.
Quando era mais novo, este marinhense costumava correr 11 quilómetros entre São Pedro de Moel e Paredes da Vitória – “era só meter os fones e ir” – e jogava andebol no SIR 1.o de Maio. Esteve sete anos em Lisboa a estudar engenharia informática e, quando regressou, começou a ganhar peso. Chegou aos 160 quilos com todos os problemas associados a quem tem obesidade mórbida. “Estava com diabetes tipo 2, com o fígado gordo, a minha tensão estava a 16/11, já tinha dificuldades a ver ao longe por causa da diabetes. Tudo era por causa do peso”, recorda.
Álvaro André tinha todos os ingredientes que um AVC, uma arritmia ou um derrame cerebral necessitavam e o alerta do médico levou-o a sonhar, novamente, com aqueles 11 quilómetros que sempre gostou de fazer, um momento em que conseguia abstrair-se de tudo.
Em 2022, foi-lhe sugerido realizar um bypass gástrico, uma cirurgia bariátrica que reduz o tamanho do estômago e altera o percurso do sistema digestivo, que leva a uma menor absorção de nutrientes. “Em todas as avaliações que fiz, quando me perguntavam porquê, respondia: há um percurso que gostava muito de fazer. Não pensava na diabetes, só pensava na corrida.”
Em Novembro de 2022 seguiu para o bloco operatório, onde teve de superar a primeira prova: após a cirurgia, uma hemorragia interna também colocou a sua vida em risco. Perdeu mais de um litro de sangue em poucas horas e, num dos momentos em que recupera- va a lucidez, escutou um médico a dizer “este homem é uma bomba-relógio.” A bomba não accionou e, após os cuidados intensivos, seguiu-se a parte “mais difícil” deste processo, a dieta.
Dieta líquida
Não é só a cirurgia bariátrica que, magicamente, faz o peso desaparecer. Seguem-se semanas duras, com uma alimentação específica para o estômago se habituar à sua nova estrutura. Na primeira semana, tinha oito refeições diárias onde só podia comer 150 ml totalmente líquidos. Aos poucos, a quantidade foi aumentando e, dos líquidos, começou a poder comer as refeições pastosas. Ao segundo mês, a comida já vinha triturada e só três meses depois é que pôde regressar às refeições normais. Aí, já sentia que o corpo não aguentava a quantidade de comida que ingeria antigamente e, além disso, tinha perdido mais de 20 quilos.
Já em 2023, passou a Páscoa no Algarve e, lá, quis testar os seus limites e realizar a primeira corrida na rua. “Foram só quatro quilómetros, mas consegui fazer seguido. Então disse: vou tentar fazer aquele percurso”.
Não quis olhar para os tempos e, de regresso à Marinha Grande, correu 11 quilómetros sem parar. Sentiu que todo aquele esforço valeu a pena e, a partir dali, os objectivos passaram sempre por superar-se a si próprio. O próximo passo será uma meia-maratona e, enquanto se prepara, dedica o seu tempo também ao andebol, no SIR 1.º de Maio. “As coisas começaram a correr bem, comecei a jogar de início e a marcar golos, coisas que nunca pensei. Tenho mais golos do que fazia quando tinha 20 anos. Quando estou em campo nem me apercebo da idade que tenho, é dar o máximo”, afirma o atleta, hoje com 44 anos.
Álvaro olha para trás e percebe que “a mente controla o corpo”. “Para mim, o desporto tem sido a salvação. Tenho tido problemas graves a nível mental, cheguei a estar mesmo de baixa e os únicos locais onde a minha cabeça esvaziava era no treino e no jogo.”
Perdeu 72 quilos e todos os problemas de saúde desapareceram. Já não tem de ir à secção de tamanhos grandes do El Corte Inglés, o único lugar onde conseguia comprar roupa. No entanto, não foi pela estética que se submeteu a este processo. Foi pela vontade em voltar a correr e recordar outra vida que, hoje, vive novamente.
É, sobretudo, uma “transformação mental” e, para todos os que estão na situação onde Álvaro esteve, este andebolista garante que os benefícios ultrapassam largamente as consequências da obesidade mórbida. “Eu via, mas era quase uma negação, do género ‘isto é culpa do trabalho’. E também era, mas tinha de ser eu a tomar uma decisão.”
O botão do piloto automático foi desligado e, apesar de ainda estar no processo de adaptação, Álvaro André usufrui de tudo o que o desporto lhe está a proporcionar – felicidade, saúde e mais anos de vida.