É produzido atrás das grades, pelas mãos de reclusos do Estabelecimento Prisional (EP) de Leiria (Jovens), mas o objectivo é que seja uma porta de (re)entrada na sociedade. Resultado de uma parceria entre a ex-prisão escola e a AdegaMãe, de Torres Vedras, o vinho Inclusus acaba de chegar ao mercado, com a missão de valorizar a produção vitivinícola feita há séculos na Quinta Lagar D’El Rei e, sobretudo, promover a reinserção social de jovens reclusos.
Com quase metade da pena cumprida, Carlos Monteiro fala do projecto como “uma oportunidade” para “ganhar novas ferramentas”. Ele que nunca tinha trabalhado na vinha foi um dos 17 reclusos que participou na vindima do ano passado, da qual resultou a produção das primeiras 2.500 garrafas de Inclusus.
Mas o envolvimento de Carlos – e de outros presos – no projecto é muito anterior à colheita das uvas. “Estivemos desde o início no pro – cesso. Ajudámos a preparar o terreno, fizemos a plantação, a armaç ão da vinha e a poda”, descreve o jovem, de 25 anos, para quem este trabalho também ajuda a desenvolver o sentido de “responsabilidade”.
“A planta precisa do nosso cuidado para dar fruto. Temos de fazer as coisas com o máximo de responsabilidade”, [LER_MAIS]concretiza Carlos, que não esconde o orgulho pela participação no projecto e pelos resultados já atingidos. “Somos reclusos, mas conseguimos fazer coisas boas”, afirma, sublinhando a importância desse trabalho “sair para fora da prisão”. “Não por vaidade”, frisa, mas para “mostrar à sociedade” que “aqui também há pessoas úteis”.
A “valorização das competências” e do trabalho dos jovens reclusos é, precisamente, um dos grandes objectivos do projecto, explica Joana Patuleira, directora do EP de Leiria (Jovens), que acredita que esta experiência laboral pode “contribuir para o êxito” da reinserção social. “O nosso foco é fazer com que a reintegração dos reclusos seja um sucesso, dando-lhes ferramentas que lhes possam ser úteis e que sejam um complemento ao trabalho que desenvolvemos nessa área”, acrescenta a responsável, adiantando que o projecto Inclusus promove também a formação profissional.
Nesse âmbito, estão previstos workshops e visitas à AdegaMãe, onde os reclusos envolvidos no projecto terão sessões de formação em campo e na própria adega, em áreas como a vinificação, estabilização e conservação de vinho ou engarrafamento. “Vamos apostar na formação técnica destes jovens. Esse é o nosso objectivo, que saiam daqui tecnicamente mais capazes do que quando cá chegaram”, refere Bernardo Alves, director- geral da AdegaMãe, citado pelo Dinheiro Vivo.
A produção de vinho é já uma tradição antiga no EP de Leiria (Jovens), onde o vinhedo ocupa actualmente cerca de seis hectares, certificados em modo de produção integrada, e produz aproximadamente 14 mil litros de vinho por ano. “Sempre se produziu vinho a granel, sem uma grande preocupação pela valorização do produto. Situação que se começou a alterar a partir de 2004, com a reestruturação da vinha”, refere Estanislau Ramos, engenheiro agrário e adjunto da Direcção da cadeia para a área económica.
O técnico explica que o processo de substituição da vinha velha por nova ficou concluído em 2012 e teve reflexos na “melhoria da qualidade do vinho”. O passo seguinte foi a aposta na “valorização do produto, virado para um mercado muito agressivo e tecnicamente bastante exigente”. “Não tendo o know how necessário”, a instituição “foi à procura” de um parceiro” e encontrou a AdegaMãe, que “já tinha interesse” noutros projectos da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.
“Lançámos-lhes o desafio, que abraçaram de imediato. É uma adega jovem, com valores que se identificam com as características deste estabelecimento”, refere a directora da cadeia, adiantando que “todo o processo” de cultivo é acompanhado pelo engenheiro agrário da prisão e pela equipa de enólogos da empresa. Após a vindima, as uvas são transportadas para a AdegaMãe, onde são vinificadas e engarrafadas.
Trabalho “ajuda-nos a ter a cabeça ocupada”
O trabalho da vinha é assegurado pelos jovens reclusos em regime aberto, que, para tal, têm de reunir algumas condições ao nível do comportamento, da sua situação jurídica e mesmo da atitude perante o trabalho. Para os trabalhos pontuais, como a vindima, são envolvidos reclusos em regime comum.
“Os nossos jovens são, na sua maioria, residentes em zonas urbanas, nomeadamente da Grande Lisboa. Inicialmente, ficam um pouco renitentes, mas quando contactam com o trabalho na terra, mostram interesse e, de forma geral, gostam. Para quem está privado da liberdade, esse contacto com a natureza é importante para a sua saúde mental”, refere Joana Patuleira.
“Ajuda-nos a ter a cabeça ocupada”, confirma Carlos Monteiro, que está há quase cinco anos na prisão, onde já conseguiu fazer o 9.º ano e se prepara para concluir o 12.º ano. A par da actividade agrícola, frequentou também um curso de electricista e já aprendeu “qualquer coisa” de pedreiro.
Além dos “conhecimentos”, o trabalho na prisão permite-lhe ganhar algum dinheiro para ajudar nas despesas com a filha, de cinco anos. “Tinha quatro meses quando vim para a prisão. Não estou fisicamente presente, mas ao ajudar a minha companheira com as despesas, sinto-me a cumprir uma parte do papel de pai”, diz o jovem recluso, que espera já não ter tempo para aprender a andar de tractor. É que, no início do próximo, cumprirá metade da pena e poderá sair em liberdade condicional. Se assim for, acredita que está agora “mais preparado” para encarar o mundo fora das grades.