Ler é das virtudes mais libertárias que temos à nossa disposição. É muito mais que um gesto ou movimento deliberado. Ler é linguagem universal, coisa aprendida que cumpre a função fisiológica de revigorar os estados que transportamos na alma.
A leitura é palco de dilatação da presença. Folhear as páginas de um todo composto por alguém que urdiu vocábulos, na convicta intenção de enredar o leitor enquanto agente activo do conteúdo narrado, é um simples propósito da condição evolutiva que está ao alcance de cada ser humano.
Há textos e livros, versos e citações, poemas e aforismos que conferem ao leitor a dimensão de instrumento existencial, fulcro para a romagem que revigora o pensamento. E pensar por via de um escrito, mais não é que uma decifração no plano ilimitado das vivências que fazemos em páginas de evasão, pressentida fuga ao vazio em que nos movemos e emergimos.
Seria possível evoluir sem que um pequeno e incipiente acto de leitura, ou mais do que isso, um particular conto ou livro, fábula ou lenda nos tivessem acometido de surpresa ou transformado o raciocínio? É bem possível que não.
Pelo menos, na contemporânea forma de vida em que até um simples gesto é lido e interpretado, na herdada filogenia que trazemos à imaginação. E até mesmo o assombro ou desassossego cabem no plano aberto de um livro, transformando-nos ou redefinindo-nos a razão.
Olhar uma história nas suas texturas e detalhes é conduzir a atenção e a consciência para o mundo que trazemos por dentro do pensamento.
Ler é expandir a emoção para ínfimos horizontes.
Na ambição do futuro progredimos nessa captura de alentos, lugares para onde vai incidindo o silêncio e a sombra [LER_MAIS] dos movimentos a que nos expomos em servidão, por via de um excerto escrito ou numa qualquer conjugação harmoniosa de vocábulos.
Operamos no clamor da sede, no ensejo dos gestos, entoando da memória os vínculos numa nitidez de espuma a que nos enredamos. Os reflexos de entendimento que as palavras em nós despertam são uma centelha de espanto e mistério. E provêem da circunstância que a liberdade da leitura nos provoca.
Ler é contrariar a ignorância que nos habita, e é também por isso um modo de saciar a fome e a sede de conhecimento. E reler é sorver o mesmo alimento com outro paladar e aroma, saboreando com distintos ingredientes e lucidez o que o texto nos diz de novo, contagiando a pele com o fragor das coisas claras.
Ler amplia horizontes, tornando-nos viandantes de um destino singular, levando-nos ao (re)encontro dos ensejos que se alojam na lonjura do tempo. E enquanto a leitura se dilata e se transforma num deleite, vamos degustando o sentido dos conteúdos narrados, condições ímpares para que os juízos se enformem ou se renovem, na ligação com as experiências do passado, gerando novas expectativas, futuras implicações e descobertas que trazem sempre associado um sincopar de coração.
Assim, ao ganharmos um dia num verso, abolimos a geografia imaginária (e talvez intrépida) dos dias anteriores, permanecendo agarrados ao mundo por via dos temperados vocábulos que nos alimentam as páginas de um livro.
*Psicólogo clínico