Quando José Afonso gravou “Tu gitana” no álbum Galinhas do Mato, de 1985, pela voz de Helena Vieira, aproveitou a música que tinha escrito (e cantado) na década de 60, ainda em Coimbra, com letra extraída do Cancioneiro de Elvas, do século XVI. O resultado “é lindíssimo”, comenta Mário Nascimento, maestro das Ninfas do Lis – o coro de Leiria prepara-se para editar no próximo ano, em que se assinala meio século desde a revolução de 1974, um novo disco, preenchido inteiramente por temas do repertório de Zeca, entre os quais se encontra “Tu gitana”, ao lado de êxitos como “Canção de embalar” ou “Venham mais cinco”.
“Era uma ideia que já tínhamos, mesmo antes de pensarmos que seriam as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Então, aos poucos, comecei os arranjos”, explica Mário Nascimento ao JORNAL DE LEIRIA.
A autorização dos detentores dos direitos demorou “ano e meio”. Desde o início do projecto, em 2019, as Ninfas do Lis já mostraram trabalho ao vivo, no entanto, só em 2024, provavelmente, será possível ir para estúdio e, depois, lançar o CD, o sexto na discografia do coro feminino, que ensaia no Centro Associativo Municipal.
Mário Nascimento reconhece que “é impossível fugir à dimensão política e intervencionista” da obra de Zeca Afonso, mas na selecção de 12 temas para o próximo disco das Ninfas do Lis – “tão bonitos e diversos entre eles”, salienta – o maestro baseou-se no “gosto pessoal” e quis incluir canções “de carácter popular” que, também elas, evidenciam a qualidade do autor de “Grândola, vila morena” como cantor e compositor.
“Há alguns que gosto e sei que toda a gente gosta; depois, encontrei outros pouco conhecidos, como o “Tu gitana”, por exemplo”, descreve. “Sempre achei uma riqueza muito grande na música do Zeca Afonso. O ritmo, as harmonias, os próprios textos, as melodias, são riquíssimas”.
As Ninfas do Lis vão gravar à capela, ou seja, sem acompanhamento instrumental, o que, segundo Mário Nascimento, “traz uma dificuldade acrescida” para quem assina os arranjos. “Foi um desafio traduzir, só com vozes, toda a musicalidade, ritmo e energia”. O público que assistiu ao ensaio aberto no Centro Associativo Municipal, durante a última edição do festival de poesia Ronda, já conhece as versões de “Tu gitana”, “No comboio descendente” e “As sete mulheres do Minho”.
Em 2023, as Ninfas do Lis comemoram 20 anos. O álbum Itinerantur atravessa as duas décadas de actividade do coro, das primeiras horas aos instantes mais recentes. “Talvez a viagem mais interessante que está presente”, considera Mário Nascimento.
Os 13 inéditos oferecem um roteiro musical em sete línguas: português, latim, inglês, ucraniano, japonês, alemão e suaíli. “Na verdade, são muitas viagens”, realça o maestro. “Autores de muitos países”, do Brasil à Noruega, da Inglaterra à Alemanha, e também de diferentes épocas – “começamos pelo Renascimento, passamos pelo período do Romantismo e vamos até ao século XX” – e estilos, da “música erudita” ao repertório “mais tradicional”.
Foi apresentado em concerto, no final de Junho, na Igreja da Misericórdia – Centro de Diálogo Intercultural de Leiria.