Entremuralhas ou Extramuralhas? Quando, já em 2022, se confirmou a possibilidade de organizar o festival sem restrições, o que não acontecia desde 2017, primeiro por causa de obras no Castelo, que obrigaram a ocupar outros espaços em 2018 e 2019, depois devido à pandemia, que impediu a realização do evento em 2020 e 2021, a equipa da Fade In precisou não só de definir o cartaz em tempo recorde – e substituir bandas como os suíços The Young Gods, que chegaram a ser anunciados para 2020 – como também decidir o cenário (ou cenários) para a distribuição dos espectáculos. Dentro ou fora de muralhas? Entre o público mais fiel (e mesmo entre os membros da associação de acção cultural) as opiniões divergem. Cinco anos depois, continua a não existir unanimidade.
No formato Extramuralhas, semelhante ao das últimas duas edições, realizadas em 2018 e 2019, o festival antes chamado Entremuralhas oferece, este ano, 11 concertos gratuitos, ou seja, a maioria. O cartaz completo inclui 18, ao longo de três dias e noites, a começar esta quinta-feira e até ao próximo sábado (25, 26 e 27 de Agosto). Só um deles, o de abertura, tem lugar no Castelo.
Sieben, Velvet Kills, MNNQNS, Ultra Sunn, Vlure, A Projection, Rein, Aus Tears, She Pleasures Herself, Potochkine e HMLTD vão tocar ao vivo em Leiria em espectáculos de acesso livre sem bilhete. Alguns pela primeira vez em Portugal. Excepto o momento inaugural do festival, pelo violinista e compositor Matt Howden, com o projecto Sieben, agendado para a Igreja da Pena, hoje às 18 horas, todos os concertos gratuitos acontecem no Jardim Luís de Camões. O que significa que, durante 72 horas, ou, pelo menos, em parte delas, o Extramuralhas será a banda sonora de quem circular, mesmo que por acaso, no centro da cidade.
Com ingresso, há sete concertos: Zeal & Ardor, Zola Jesus, Whispering Sons e Circuit des Yeux no Teatro José Lúcio da Silva (30 euros por pessoa e por noite) e Vomito Negro, Kælan Mikla e Je T’Aime na Stereogun (12 euros e consumo obrigatório de uma bebida).
É o maior cartaz de sempre (com maior número de bandas) do festival gótico (e de inúmeras correntes estéticas marginais, do post-punk ao indie-rock, do industrial à synthpop, da darkwave ao techno e à neo-folk). E também o que tem o orçamento mais elevado.
Segundo Carlos Matos, presidente da Fade In, Je T’Aime, HMLTD, Aus Tears, Rein, A Projection, Vlure, Ultra Sunn, MNNQNS e Vomito Negro estreiam-se ao vivo em Portugal. E só há um artista ou colectivo (Whispering Sons) em digressão, os restantes deslocam-se em exclusivo e especificamente para o Extramuralhas, vindos de países como França, Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica, Finlândia, Islândia, Suécia, Suíça e Escócia (só há duas bandas portuguesas). “Um cartaz absolutamente incrível”, assegura, com orgulho, ao JORNAL DE LEIRIA, em que sobressaem Zola Jesus, Zeal & Ardor e Circuit des Yeux.
O formato Extramuralhas, além da logística mais fácil e do recurso ao Teatro José Lúcio da Silva, representa, por outro lado, maior visibilidade. “Eu vivo um dilema: manter o festival fechado [no Castelo] e fazer com que ele viva da mística e seja apenas para um nicho” ou “expor artistas que amamos ao maior número de pessoas”, reconhece Carlos Matos. “Há um papel de divulgação, didáctico, também, e de dar exposição aos artistas”, acrescenta. “O desafio é encontrar o equilíbrio: não perder o misticismo e ao mesmo tempo proporcionar às pessoas o contacto com linguagens alternativas”.
Ganha força, aparentemente, a terceira via: um formato híbrido, no futuro, entre o Entremuralhas e o Extramuralhas. “É indissociável um certo misticismo, que não gostávamos de perder totalmente, porque é isso que nos distingue”, comenta o presidente da Fade In. “Provavelmente, vamos precisar desse cenário [o Castelo] para readquirir esse encanto, esse fascínio, esse romantismo”.
Desde a última edição, em 2019, o mundo está diferente. A pandemia, a guerra, a inflação. Madrid tem um novo festival, o Darkmad. “Não é que nos faça concorrência, mas leva bandas que nós antigamente trazíamos e que não iam a Espanha. E agora indo a Espanha os espanhóis já não vêm aqui vê-los”, explica Carlos Matos. Apesar da incerteza, é provável que 2022 seja, finalmente, o ano do reencontro em Leiria da nação gótica, o regresso de caras familiares, o retomar de afectos que estão para sempre ligados à música e à cidade. Este ano, há até quem venha do Panamá, na América Central.
Do programa do Extramuralhas em 2022 fazem também parte três afterparties, performances no Jardim Luís de Camões pelo grupo de teatro Manipulartes e uma exposição de fotografia, sobre as primeiras dez edições do festival, da autoria de Miguel Silva (In & Out, no foyer do Teatro José Lúcio da Silva).
A guerra na Ucrânia não é esquecida. No passado, tocaram em Leiria bandas com origem na Rússia (Motorama e Shortparis) e se o mesmo não sucede este ano, não significa que a Fade In adere a uma atitude de cancelamento. Pelo contrário. “Têm tido um papel activo anti-guerra. Alguns dos elementos dos Shortparis que estiveram aqui [em Leiria] já estiveram presos”, realça Carlos Matos.
Para 2022, a Fade In adoptou como ex-libris do festival, nos cartazes, desdobráveis, t-shirts, pórticos, estandartes de palco e restantes materiais de comunicação, uma figura que integra o grupo escultórico da autoria de Fernando Marques instalado junto ao edifício Maringá, com o título Homenagem ao Emigrante. Quis, deste modo, “sublinhar essa merecida homenagem” e “estendê-la também a todos os imigrantes, migrantes, deslocados e refugiados deste mundo que, agora mais que nunca, precisa que defendamos os ideais de solidariedade, fraternidade e igualdade”, lê-se numa publicação nas redes sociais.
“É oportuno e é uma maneira de mostrarmos que estamos com os mais fracos”, completa Carlos Martos.