Foram meses de “angústia”, com o medo de “acabar a viver na rua” sempre presente na sua vida. Sílvia, 45 anos, viu o chão fugir-lhe quando foi informada pelo senhorio que o contrato de arredamento não seria renovado. Sem conseguir uma alternativa que pudesse pagar com a reforma de invalidez de 412 euros e o apoio da Câmara de Leiria no âmbito do Programa de Comparticipação ao Arrendamento, foi ficando no T0, “a cair aos bocados”, pelo qual pagava 200 euros, o que levou o senhorio a intentar uma acção de despejo.
“Ou ficava ou ia para rua. Pediam-me 400, 500 ou 600 euros. Não podia pagar”, conta Sílvia, assegurando que continuou “sempre” a pagar a renda. Ao fim de cinco meses e ainda sem uma decisão final em relação ao processo de despejo, viu uma luz ao fundo do túnel, quando “apareceu” uma casa por 350 euros. Apesar de “afastada” do centro de Leiria, e de ser mais cara do que o valor que estava a pagar, aceitou a proposta. “Não é fácil, mas com a minha reforma e o apoio da câmara, tenho conseguido cumprir.”
O processo de Sílvia foi um dos 66 pedidos de despejo no distrito registados no último ano no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA). Os dados avançados ao JORNAL DE LEIRIA pelo Ministério da Justiça indicam que, em 2022, se registou no distrito um aumento de 46% dos procedimentos especiais de despejo face a 2021, ano em que houve 45 pedidos. Já este ano, até 31 de Maio, deram entrada 39 processos, ou seja, mais de metade do total de 2022.
Leiria é o concelho do distrito com maior número de pedidos: 22, em 2022, e nove até final de Maio deste ano. Seguem-se Caldas da Rainha e Marinha Grande, respectivamente, com 25 e 15 processos no mesmo período. Alcobaça e Nazaré registam, cada um, sete pedidos de despejo.
No concelho de Leiria, o aumento revelado pelos dados do BNA reflecte-se também no número de processos de despejo acompanhados pelo município: três em 2021, cinco em 2022 e 11 em 2023. “É prática a câmara acompanhar este tipo de processos. Quando tal acontece, a equipa de acção social procura conhecer a família e o seu enquadramento social. O objectivo é tentar encontrar alternativas para que, quando o despejo acontece, as pessoas já tenham para onde ir”, explica a vereadora Ana Valentim.
Segundo a autarca, em alguns casos “consegue-se negociar com o proprietário para protelar a situação”, o que pode passar por um “plano de pagamento da dívida” com o apoio da câmara, através do programa de comparticipação ao arrendamento ou do fundo de emergência.
A maioria dos processos de despejo acompanhados pelos serviços da autarquia deve-se à “incapacidade das famílias para assumirem os encargos com a renda”, adianta Ana Valentim, referindo que há também casos que resultam de arrendamento sem enquadramento legal.
“Como não existe contrato, as pessoas deparam-se com situações de despejo de um dia para outro”, especifica a vereadora, que acredita que, sem aquele programa municipal, que abrange actualmente cerca de 400 famílias, o número de despejos no concelho seria “muito superior”.
Antecipar incumprimentos
De acordo com a legislação, o procedimento especial de despejo “torna efectiva a cessação de contrato de arrendamento quando o arrendatário não desocupa o locado [imóvel] na data prevista na Lei ou na data fixada pelas partes”. É aplicável, por exemplo, em casos de não pagamento de renda ou quando o proprietário “se recusa a fazer obras que o arrendatário considera essenciais para viver na habitação”, exemplifica Mariana Almeida, jurista da Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor.
Segundo a técnica, perante uma situação de quebra de rendimento da qual pode resultar um despejo, “a primeira coisa a fazer é tentar negociar com o senhorio”, apresentando mais garantias de pagamento, como um fiador, ou um plano intermédio de pagamentos, que passe por uma renda mais reduzida durante um determinado período.
“A estratégia é antecipar um eventual incumprimento”, refere a jurista que, em relação à necessidade de obras, aconselha a que a comunicação se faça sempre por escrito. Mariana Almeida alerta ainda os arrendatários para estarem atentos à cláusula do contrato referente à duração. “Normalmente, atenta-se ao valor, à data do pagamento e eventual actualização e não se olha para a duração e depois há surpresa quando, ao fim de seis meses, o senhorio pede para sair.”