As melhores histórias oferecem sempre uma lição? E um final feliz? Esta, tudo indica que sim. Começa há 15 anos, com os primeiros passos de Núria Fernandes na academia dirigida pela mãe, Annarella Sanchez, e vive-se agora a cena mais poderosa, em que a protagonista não desiste do sonho e é, finalmente, recompensada.
Na cidade luz, abrem-se as portas de uma das instituições mais antigas e prestigiadas no mundo do ballet. França espera pela adolescente de Leiria, que tem pela frente uma ligação de dois anos com a junior company da Ópera Nacional de Paris, casa com raízes no século XVII e quase 900 mil espectadores por ano.
Não há duas oportunidades para causar uma boa primeira impressão? Núria Fernandes prova que a segunda vez, afinal, pode ser mais importante do que a primeira – não escolhida no concurso de 2024, em 2025 chega, com brilhantismo, ao restrito lote de vagas para nove bailarinas e bailarinos seleccionados após audições realizadas já no mês de Julho, que envolveram centenas de candidatos de vários continentes.
A primeira portuguesa?
Criada em Maio de 2024, com cerca de duas dezenas de membros, a junior company da Ópera de Paris proporciona contratos profissionais de formação e é um patamar entre os 17 e os 23 anos na antecâmara da companhia principal, em que o espanhol José Martínez exerce o cargo de director de dança.
Como se alcança este nível tão cedo? A mãe – nascida em Cuba, professora e fundadora do Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez, onde Núria acaba de se graduar ao mesmo tempo que conclui o 12.º ano de escolaridade – observa nela características invulgares, apesar do corpo delicado e aparentemente frágil. “Não sei explicar”, diz, “ainda surpreendida”, ao JORNAL DE LEIRIA. “Não é o tipo de bailarina que as pessoas procuram para o corpo de baile. Ela tem algo que a destaca. Mesmo que não dance bem tecnicamente, cativa pela sua expressividade”.
A primeira portuguesa de sempre na Ópera de Paris, de acordo com as pesquisas realizadas por Annarella Sanchez. “Não há registo de outra”.
Sem orgulho em excesso nem falsa modéstia, Annarella Sanchez elogia o “movimento muito fluído” que a filha leva para o palco. “Eu pagaria para ver a Núria dançar, porque eu desfruto da Núria, dos braços longos, de como ela se entrega, sobretudo quando faz dança neoclássica contemporânea”. Um estilo que terá sido determinante durante as audições, segundo a matriarca da família. “Todas as bailarinas saberiam fazer a variação clássica, mas quando ela foi comparada na prova do contemporâneo, destacou-se grandemente”.
Ainda de acordo com Annarella Sanchez, outro factor que joga a favor de Núria Fernandes é uma certa tendência do recrutamento, nos dias que correm, para procurar a diversidade. “Já não são todas as bailarinas iguais. Companhias como a Ópera de Paris também querem bailarinas diferentes e a Núria é um caso assim”.
“O sonho de todas as meninas”
Com prémios ganhos ao longo dos últimos anos, e prestações de destaque em competições internacionais como o Prix de Lausanne e o Young American Grand Prix, a mudança para França representa algo de “muito importante”, sublinha Annarella Sanchez, para quem não restam dúvidas de que “o sonho de todas as meninas é entrar e poder dançar na Ópera de Paris”.
Com “pernas altas”, a mais nova das irmãs Fernandes – Margarita, actualmente em Munique, Alemanha, primeira solista no Bayerisches Staatsballett, vai seguir a carreira em Viena, na Áustria, no Wiener Staatsballett, já a partir de 2025/2026, tal como António Casalinho – beneficia de “condições físicas” que lhe permitem sobressair. “Tem muita flexibilidade, é muito dotada, é daquelas pessoas que consegue fácil”, descreve a progenitora. “Não tem de se esforçar muito para conseguir algo”. Por outro lado, recentemente mostra-se “bastante determinada” e parece estar a lidar bem com a pressão e com as expectativas. Depois de rejeitar mudar-se para a Finlândia, não se deixou impressionar com a falta de sucesso nas audições para a junior company da Ópera de Paris no ano passado. “Trabalhou, insistiu e voltou este ano”.
Na Primavera, já havia bons sinais. Núria Fernandes integrou o grupo de seis bailarinos e bailarinas com estudos no Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez escolhidos, por convite de Fernando Duarte, director artístico da Companhia Nacional de Bailado, para o elenco de Coppélia ou a Rapariga dos Olhos de Esmalte, que a CNB apresentou em Lisboa, no mês de Abril.
Dançar no mundo
O olhar pousa além das fronteiras, contudo. “Sempre quis ir para fora de Portugal, mas pensava que ia ficar mais um ano, aqui, a melhorar a minha técnica”, admite na conversa com o JORNAL DE LEIRIA, “muito entusiasmada” pela nova aventura que se ergue no horizonte, a começar já no mês de Agosto. “É algo que nunca imaginei. Estou muito feliz, mas não esperava”.
A bailarina de 18 anos lembra que “é muito difícil” ingressar na Ópera de Paris, que “é das melhores das melhores”, entre “as três melhores do mundo”. Em França, imagina “uma ambiente competitivo”, a que se considera “habituada”. E assegura: “Não me vai impedir de continuar o meu sonho”.
Desde os 11 anos de idade, pelo menos, que sabe que quer tornar-se profissional. “Deixou de ser uma brincadeira, o ballet, e passou a ser trabalhar para um objectivo, que está a acontecer agora”. É nas coreografias que encontra a recompensa para o “trabalho muito duro” e para a dedicação necessária um dia após o outro. “É algo inexplicável, mas quando entro em palco sinto que todo o esforço valeu a pena”. Na irmã, Margarita Fernandes, vê “uma grande inspiração”.
A temporada de estreia no estrangeiro, entretanto, encara-a com metas bem definidas. “Poder dançar o máximo, continuar a evoluir e poder mostrar-me”, adianta Núria Fernandes, que deverá ter a oportunidade de experienciar digressões e juntar-se, ocasionalmente, ao corpo de baile da primeira companhia. A prazo, “se tudo correr bem”, em Paris ou noutro lugar, ambiciona mesmo “chegar um dia a ser principal”.
Despedida no palco
A oportunidade para ver Núria Fernandes ao vivo pela última vez, antes da viagem para França, surge já no próximo domingo, 27 de Julho, no Teatro José Lúcio da Silva. Vai protagonizar a personagem principal da bailado Cinderela num espectáculo agendado para as 17 horas com a CBCL – Companhia de Ballet Clássico de Leiria (estrutura criada na esfera do Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez). Dançará ainda a 1 de Agosto, também no TJLS, durante a segunda gala do curso de verão de 2025 do Conservatório Annarella Sanchez.