Posso fazê-lo, porque tendo escrito milhares de textos para jornais e revistas ao longo de mais de vinte anos, posso evocar sem receio quase tudo aquilo que escrevi.
Comecemos pelos incêndios de Pedrogão Grande, a maior tragédia humana da nossa democracia, em que falhou quase tudo, incluindo o sistema de comunicações do SIRESP, cuja aquisição teve a decisão final de António Costa durante o primeiro governo de José Sócrates, quando já eram conhecidos os problemas técnicos, financeiros e éticos, como a corrupção que denunciei num texto publicado a 19 de Maio de 2005 e onde escrevi o seguinte: “Há dias, acerca do caso da adjudicação do material de comunicações para as forças de segurança, no valor de 538 milhões de euros, decidida por um ministro do anterior governo, perguntei ao presidente de uma multinacional do sector, a operar em Portugal, a razão porque não tinham participado no concurso público, ao que ele respondeu, sem pedir segredo, que a sua empresa, como outras do mesmo sector, sabiam que o concurso estava organizado para ser ganho pela empresa a que o ministro estava ligado.”… “Depois perguntei qual, na sua opinião, seria o valor correcto da adjudicação ao que ele me respondeu: no caso de se tratar do melhor material e do sistema mais exigente, cerca de metade do valor adjudicado.” Terminei então o parágrafo com um desafio: “Que tal uma explicação politicamente correcta?”. [LER_MAIS] A explicação nunca chegou e morreram 65 pessoas em Pedrogão Grande em grande parte porque a GNR andou horas a fio sem saber o que fazer, sem direcção e sem comunicações, deixando que muitos carros se dirigissem para o fogo e para a morte. Infelizmente, a explicação continua sem ser dada e o Governo continua a não retirar as devidas conclusões dos inquéritos já feitos e a mascarar todas as informações já conhecidas, nomeadamente sobre o SIRESP, talvez porque António Costa seja, ele próprio, o principal culpado.
Culpado porque pactuou com a burla conhecida no momento da adjudicação do SIRESP, culpado porque acabou com os guardas florestais, culpado porque, enquanto ministro, não levou à prática as indicações do estudo da COTEC sobre os incêndios, culpado porque substituiu, pouco tempo antes dos fogos, dirigentes com experiência por amigos do partido e, finalmente, porque é desde há muito parte de uma cultura que existe no PS de irresponsabilidade e de mistura de negócios com governação. Para já não falar da obrigação de haver licenciados a dirigir os fogos, em vez dos homens que o fizeram durante muitos anos.
Mas culpados somos também todos nós, culpa que o caso do SIRESP mostra de forma extremamente clara, porque a decisão inicial de um ministro que favorece a empresa onde trabalhou era por demais evidente e porque os jornais e as empresas concorrentes o demonstraram sem margem para grande dúvida. Foi isso que denunciei há doze anos, sem que alguém se incomodasse.
* Empresário