É um anúncio com três anos: sediar na Marinha Grande um departamento para gerir todas as matas públicas do País. Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e Ministério do Ambiente garantem que funciona localmente com uma equipa de 10 pessoas, e a placa está lá, à entrada do edifício, mas o presidente do município, Aurélio Ferreira, conta outra versão. “Não temos conhecimento de que este departamento esteja instalado na Marinha Grande, e, desde que tomei posse, todos os contactos havidos entre a câmara e o ICNF foram feitos entre mim e a directora regional da Conservação da Natureza e Florestas do Centro, em Coimbra ou Viseu, ou junto do conselho directivo do ICNF, em Lisboa”. Outras fontes confirmam o testemunho do autarca, que reforça: “Não temos conhecimento do departamento, nem de trabalhadores, na Marinha Grande”.
Em Julho de 2019, na sequência dos grandes incêndios de 2017, o ministro Capoulas Santos e o secretário de Estado Miguel Freitas anunciaram, no contexto de uma comissão parlamentar na Assembleia da República, a instalação na Marinha Grande, até ao final daquele mês, de um departamento para gerir todas as matas nacionais propriedade do Estado, com equipa e orçamento.
Já com o secretário de Estado João Paulo Catarino, Cidália Ferreira chegou a visitar o edifício Atrium, para avaliar a possibilidade de ali colocar o departamento e profissionais “que já estavam admitidos através de concurso”. As conversações “decorreram em Agosto de 2021”, a semanas das eleições. “Neste momento, ainda não estão [na Marinha Grande]”, reconhece a antiga presidente da câmara. “Pelo menos, que eu saiba”.
Publicada em 2019 no Diário da República, a nova orgânica do ICNF estabelece e define o Departamento de Gestão de Áreas Públicas Florestais (DGAPF) para coordenar e apoiar os serviços territorialmente desconcentrados. A placa a anunciar este departamento está colocada à entrada do edifício do ICNF na Marinha Grande, na Avenida D. Dinis. Na última sexta-feira, o JORNAL DE LEIRIA procurou, por telefone, junto da delegação do ICNF na Marinha Grande, chegar à fala com Rui Rosmaninho, que dirige o DGAPF. Resposta: “tente Viseu ou Coimbra”. Noutros contactos, com fontes ligadas ao sector, é dito que se encontra habitualmente em Lisboa.
Também na sexta-feira, a assessoria de comunicação do ICNF comentou ao JORNAL DE LEIRIA que “o Departamento de Gestão de Áreas Públicas Florestais é dirigido pelo engenheiro Rui Rosmaninho e funciona nas instalações da Marinha Grande”, informação reiterada, mais tarde, pelo gabinete do ministro do Ambiente e da Acção Climática: “O departamento em questão está sediado na Marinha Grande e é lá que o engenheiro Rosmaninho tem o gabinete e está em permanência. O departamento é de abrangência nacional e tem neste momento nove trabalhadores, incluindo o director de departamento”.
Na Marinha Grande, as informações do ICNF e do Ministério são desconsideradas. “É uma placa e uma secretária”, diz um técnico ouvido pelo JORNAL DE LEIRIA. Pelo município, o presidente Aurélio Ferreira acrescenta: “Não temos conhecimento que o engenheiro Rosmaninho tenha gabinete permanente na Marinha Grande”.
Há três anos, na comissão parlamentar, o ministro Capoulas Santos, que entretanto cessou funções, anunciou “um corpo técnico próprio, instalado na Marinha Grande, para fazer a coordenação de todo o investimento, toda a gestão das matas públicas”, com o secretário de Estado Miguel Freitas a especificar: 10 técnicos e 18 milhões de euros para recuperar as áreas ardidas. Colocada em prática a nova orgânica do ICNF, com o DGAPF, a gestão diária da Mata Nacional de Leiria continua a ser competência de uma divisão em Coimbra, a qual depende de um departamento regional em Viseu, que por sua vez está sob a tutela de mais dois níveis hierárquicos: em Coimbra e em Lisboa, conforme explica o técnico florestal Octávio Ferreira, que trabalhou nas matas públicas da região durante décadas, num artigo publicado em 2019.
Para Aurélio Ferreira, a questão permanece relevante. “Sempre considerámos que o poder de decisão sobre a Mata Nacional de Leiria deveria estar próximo da própria Mata, aliás como aconteceu em muitas décadas do século passado, e que tinha os resultados que todos conhecemos”.