Vermelho. Quente. Fumo. Nevoeiro. Gritos. Choro. Sirenes. Desespero. Em cada rosto, em cada rua, em cada localidade. Entre S. Pedro de Moel e Praia da Vieira a tragédia aumentava com a velocidade do vento que tornava cada chama mais incandescente. O fogo parecia ter vida. Quase nada o podia travar.
Os bombeiros, poucos para acorrer a todos os focos de incêndio, corriam em várias direcções a tentar salvar pessoas e casas. A GNR tentava impedir a circulação automóvel nas estradas cortadas pelas labaredas incandescentes. Mesmo assim, houve vias abertas que poderiam empurrar as pessoas para o fogo. Isto porque a velocidade e mudanças constantes da direcção do incêndio tornava impossível prever os locais mais perigosos.
Depois de passar por S. Pedro de Moel e arrasar o Pinhal de Leiria, o fogo seguiu a estrada atlântica até chegar à Praia da Vieira. Várias habitações foram evacuadas e também, em diferentes momentos, os parque de campismo da Praia da Vieira (arderam tendas e caravanas), das Paredes e do Pedrógão.
O presidente da Junta de Freguesia tentava perceber o que se passava e sempre que conseguia efectuar chamadas – o que nem sempre foi possível – informava da tragédia. “O lar na Bajanca foi evacuado”, revelava, com um ar desolado ao ver as chamas junto à ponte das Tercenas a colorir o rio de uma cor estranha. Ana Cláudia Filipe vive perto do parque de campismo.
A GNR bateu-lhe à porta e deu ordem de retirada. Pegou na filha pequena e fugiu, com as duas gatas, para a Praia do Pedrógão. O risco das chamas chegarem perto da casa era iminente. O marido ficou. “Decidiu ficar para trás com outros vizinhos para tentarem proteger as casas da zona.” Com as comunicações a falharem constantemente, a aflição de saber notícias foi grande. Depois de horas refugiadas no café Quebra-Mar, na Praia do Pedrógão, o casal proprietário deu-lhe abrigo em sua casa. No entanto, horas mais tarde, as chamas aproximaram-se e voltaram todos para o café, junto ao mar. Eram 6 da manhã.
A estrada atlântica só foi reaberta no dia seguinte, perto da hora do almoço. Quando regressaram à Praia da Vieira constataram a destruição. O vermelho das chamas da noite anterior deu lugar a um cenário cinzento e triste. O pó das cinzas ainda pairava no ar, assim como um calor estranho e um cheiro imenso a floresta queimada. “Mesmo hoje, três dias depois e com chuva, ainda há cepos a fumegar. Ver este cenário arrepiante é uma tristeza imensa.
Ainda guardamos na memória as imagens dantescas do mar de chamas naquela noite perto de casa e esse facto temnos afectado, sobretudo a minha filha que ficou com bastante medo”, revela Ana Cláudia.
Cenário lunar
Hoje, quando faz o trajecto para a Marinha Grande confessa que sente uma “tristeza imensa” ver que o verde que atravessava diariamente para ir para o trabalho e para a escola da filha foi “substituído por esta paisagem quase lunar e sem vida”.
[LER_MAIS] “Deixo um sentimento de profunda gratidão para com a D. Lurdes e o senhor Manuel que apesar de não nos conhecerem foram inexcedíveis e procuraram sempre fazer-nos sentir seguras e confortáveis.”
O fogo não chegou apenas à Praia da Vieira e desafiou a vila. Entrou pela Vieira e ameaçou quem lá vive. Os habitantes combatiam como podiam, pegando em baldes de água e mangueiras. Todos se entre-ajudaram.
Nos Bombeiros Voluntários estavam algumas pessoas que tinham sido retiradas de casa e outras que procuravam familiares incontactáveis. Em cada rosto estava visível a angústia. A angústia de não saber o que fazer. A angústia de assumir a impotência de se ser incapaz de lutar contra uma força enorme da natureza.
Perto do Boco, as chamas voltaram-se para as casas. De máscara na cara, os seus habitantes estavam incrédulos com o que estava a acontecer e temiam pelos seus bens. “Não vão conseguir salvar a casa”, desabafava uma jovem de lágrimas nos olhos, enquanto observava o esforço dos bombeiros, posicionados junto à habitação para impedir que as chamas consumissem a moradia.
Na casa ao lado, uns amigos tentavam retirar uma senhora, que teimava em ficar. “Temos de ir. Não pode ficar.” O ar irrespirável e o caminho quase imperceptível pelo fumo desorientava também quem procurava sair dali para fora. Todos corriam. Uns para fugir, outros para tentar enfrentar o fogo. Mais abaixo um casal tentava observar a sua casa, encoberta pelas chamas que tinham à frente.
“Não fazem ideia se a habitação já ardeu”, relatava um vizinho, irritado porque o único carro de bombeiros que apareceu para tentar salvar as casas perto do fogo teve de abandonar o local por não conseguir abrir uma tampa para ir buscar água. Estes operacionais foram, mas outro veículo regressou pouco depois para ajudar.
Os populares já estavam a retirar os animais que tinham nos anexos, enquanto outros molhavam as habitações e apagavam as chamas mais próximas com galhos. Ignorando o desespero das pessoas, o fogo foi caminhando em todos os sentidos, não poupando empresas. O JORNAL DE LEIRIA estava a tentar sair da Vieira quando se confrontou com as chamas a cortar a estrada na zona industrial. Uma fábrica já começava a arder sem que ninguém estivesse lá para impedir.
Já na zona do Coimbrão os bombeiros posicionavam-se para tentar travar a progressão das chamas. Uma luta desigual. Já passava das 23 horas quando o fogo destruiu uma vacaria e continuou sem dó nem piedade rumo ao concelho de Pombal, onde foi travado na zona do Carriço, depois de um enorme rasto de destruição.
Foram activados os planos de emergência municipal e distrital e na segunda- feira em muitas escolas os alunos foram aconselhados a ir para casa devido ao fumo. O drama começou pelas 13:51 horas, com um incêndio na Praia da Légua, que se veio a juntar ao fogo que se iniciou às 14:33 horas, na Burinhosa, no concelho de Alcobaça. Na terça-feira, ainda se registaram reacendimentos e, ontem, à hora do fecho do JORNAL DE LEIRIA, os bombeiros ainda se encontravam em alguns pontos para garantir o rescaldo.