Era sexta-feira de manhã e Gabriel Sequeira estava no intervalo das aulas no Instituto Educativo do Juncal, onde frequenta o 10.º ano, quando o telefone tocou.
Do outro lado estava Leandro Alves, dirigente do Benfica, a avisá-lo que tinha de se apresentar na Luz, pois, fruto da doença de um jogador do plantel principal, tinha sido convocado para o jogo da equipa principal frente ao Belenenses daquele mesmo dia à noite.
Ficou naturalmente feliz da vida. “Foi uma grande surpresa, fiquei feliz, mas também nervoso e ansioso”, admitiu Gaby.
Deu uns pulos e contou aos colegas, que, com ele, fizeram a festa naquele momento, num misto de pasmo e admiração pelo colega dotado.
É que não é todos os dias que um rapaz de 15 anos, que há apenas um ano enverga o manto encarnado, é chamado para um jogo da equipa principal de um clube desta dimensão. Alguma coisa há-de ter ele de especial.
Estava na hora de chamar à acção o pai Paulo, pois o rapaz tinha de estar em Lisboa às seis, que o jogo era às oito e meia. Na hora de almoço, deslocou-se rapidamente ao Juncal para pegar no filho e levá-lo a Fátima, onde apanhou o expresso rumo à capital.
É uma prática que já se tornou um hábito para a família Sequeira, mas nunca tinha acontecido para um jogo da equipa máxima.
A vida tem sido um corrupio entre Lisboa, onde fica alguns dias da semana na residência do Benfica, a Batalha, onde reside, e o Juncal, onde estuda. Apesar do processo “cansativo”, Gabriel tem conseguido conciliar a prática desportiva com o estudo.
“O Instituto faz-me o grande favor de só ter de ir três dias às aulas e poder continuar a estar bem na escola”, explica o rapaz.
Mas se a escola vai bem, o andebol ainda está melhor. Tem espalhado magia a ponto de o treinador espanhol Chema Rodriguez, que foi primeira linha como ele, estar sistematicamente de olho nas suas actuações e a avaliar a evolução das capacidades.
Um remate
Mesmo a calhar, os resultados do exame desportivo de sobreclassificação, que permite a um miúdo de 15 anos jogar pelos seniores, tinha ficado pronto na véspera.
Já nada havia que impedisse o jovem que começou no Batalha Andebol Clube de se estrear pela equipa principal a não ser a vontade do técnico, mas o jogo correu de feição aos encarnados, que rapidamente deixaram o Belenenses para trás.
A seis minutos do fim Gabriel entrou em campo apenas para atacar. [LER_MAIS]“No primeiro ataque não tive intervenção, mas nos outros dois já consegui participar um bocado. O golo não surgiu, mas tentei um remate à baliza. Já estava em queda e talvez por isso o guarda-redes do Belenenses tenha conseguido defender.”
Ainda assim, ficam um dia e uma vitória (28-40) para não esquecer. Mais um, porque o central e lateral-esquerdo tem estado em evidência.
Recentemente foi chamado ao estágio da selecção nacional de sub-18, mas acabou por sofrer um toque no segundo treino, já não viajou para a Alemanha e adiou o sonho de envergar a camisola das quinas.
“É outro dos objectivos que tenho para esta temporada: ser campeão pelos juniores e pelos seniores, subir com a equipa B à 2.ª Divisão e ser internacional”, revela o jogador.
Limpeza
Tem sido uma limpeza. De um momento para o outro, os jogadores que admira tornaram-se colegas de equipas. Por mais incrível que possa parecer, há coisa de meio ano Gaby foi o rapaz da esfregona nos jogos decisivos do final da temporada passada, com FC Porto e Sporting, para poder estar mais perto dos jogadores. “Na altura estava a limpar o pavilhão e agora jogo com eles. Às vezes ainda fico a pensar como é que mudou tão depressa. Antes só os via na televisão.”
E foi graças a André Frazão, ex-colega no Batalha, que a vida mudou para o agora 27 encarnado, um número que apenas tem sido utilizado por verdadeiras referências da modalidade. “Estávamos em pandemia e eu deitado na cama, ainda meio a dormir. Ele disse-me que ia a um treino de captação ao Benfica e perguntou-me se também queria ir. Não me apetecia muito, na verdade, estava preguiçoso, mas fui e acabou por mudar a minha vida.”