Meu Caro Zé,
Escrevo-te na sequência de um acontecimento de grande expressão, embora religioso e, portanto, potencialmente gerador de controvérsias na sua cobertura mundial, ou por razões de religiões diferentes, ou por defesa extrema da laicidade dos Estados e dos meios de comunicação a ele ligados, que foram as Jornadas Mundiais da Juventude realizadas na Cidade do Panamá.
Curiosamente, na sequência do anúncio de que as próximas jornadas (2022) se realizariam em Lisboa, mesmo entre muitos dos laicos, incluindo Governo e Câmara de Lisboa, essa preocupação pela neutralidade face o fenómeno religioso esbateu-se pelo efeito desse acontecimento para Lisboa e para Portugal.
Fico-me por aqui nesta interessante situação, pois o que me motivou a escrever-te foi uma frase que, para mim, dominou o discurso do Papa Francisco às autoridades políticas e diplomáticas presentes na Cidade do Panamá: “O direito ao futuro também é um direito humano”.
O Papa não fez uma exegese sobre o tema, mas o enquadramento geral do discurso, centrando-se, obviamente, nos destinatários das Jornadas – os jovens – referia-se ao direito ao futuro dos jovens e, mais genericamente, ao da Humanidade, pois a Terra, como a contínua invocação da sua Laudatio Si evidencia, não esteve esquecida.
Mas uma leitura atenta do que é dito mostra bem que não é um “futuro qualquer”. É, antes, um futuro onde a dignidade de todos e de cada um dos seres humanos seja respeitada e promovida.
E o primeiro e inalienável passo para que [LER_MAIS] isso possa vir a ser verdadeiro é a consciência, demasiadamente obnubilada, ao nível individual, de grupos de interesse e ainda e mais preocupantemente, dos países, de que cada direito pressupõe deveres e para haver direito ao futuro há o dever de o construir e não ignorar a necessidade dessa construção.
É essa ignorância que tem levado não à sua construção, mas até à sua quase impossibilidade, daí surgindo o racismo, o populismo, a discriminação e a marginalização, esta com o extremo do “descarte”, sempre presente nas intervenções do Papa Francisco.
O presidente Trump tem sido, e bem, acusado de nada contribuir para esta construção, desde a sua “famosa” frase America first a que, depois, de vez em quando, acrescenta “… but not alone”.
Mas será que essa visão americana não é geral nesse país? Esta pergunta é legitimada pela leitura de um artigo de Elizabeth Warren no último número da revista Foreign Affairs, tanto mais que a autora é uma potencial candidata do Partido Democrata às próximas eleições presidenciais.
Contudo, apesar do artigo conter referências à necessidade de ligação e cooperação com outros países e também com a defesa do ambiente, o America first, mesmo que diluído, continua lá.
Basta ver o final do seu artigo (tradução minha): “Apesar das ameaças que se perfilam no horizonte, confio em que podemos prosseguir uma política externa que trabalhe para todos os americanos – uma que, para todas as gerações vindouras, salvaguarde o governo do povo, pelo povo e para o povo”. Mas só americano?
Até sempre,
Professor universitário
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990