As lágrimas correram ao som do apito final. A emoção tomou conta dos festejos da liderança da série regional naquele que é o primeiro ano da associação. O nome foi decidido há pouco mais de meia dúzia de meses, entre trocas de mensagens a meio de uma madrugada, mas a sensibilidade de quem cresceu na praia e vive o desporto desde sempre guiou os resultados.
Na fase final e com a garantia de que no próximo ano integram a nova segunda divisão nacional de futebol de praia, os meninos e as meninas da AD Nazaré 2022 garantem que “a partir daqui está tudo ganho”.
E ninguém falta aos festejos: o Sokota deixou de ‘choramingar’ para dançar com o Lauro, o pequeno João vibra com a vitória da equipa que o pai treina e até um dos principais patrocinadores, que às vezes fecha o restaurante para ir aos jogos, celebra à distância da perícia de filmagem do filho que a partir de Ansião transmite a última jornada da equipa para os amigos da terra.
“Somos uma família”, traduz emocionado o Henrique Piló, de 39 anos, que decidiu embarcar na aventura de criar um novo emblema com o primo Álvaro Murraças, de 43 anos.
Com muitos anos de futebol de praia, “desde os tempos em que havia os torneios de 24 horas e era tudo ganho pela equipa da farmácia”, sem esquecer os anos a vestir o emblema do Sótão e as tentativas de impulsionar a modalidade em dois clubes, decidiram colocar em prática a experiência ao serviço de um novo desafio.
“Para mim, chegar a esta fase final era o primeiro e único objectivo da época sabendo de antemão que ia haver outra divisão. A partir de agora, mesmo que a gente perca, já ninguém me tira este sentimento de alegria, de enorme orgulho e de dever cumprido”, confidencia Henrique no meio dos festejos.
“Só depende de nós”, acrescenta mais tarde, depois de se recompor da emoção, o Álvaro. E apesar de argumentar não ter jeito para estas coisas, é de forma bastante convicta que sublinha “a união da equipa” e que mostra que “não há idade para jogar futebol”.
Com perto de 40 jogadores e jogadoras, os dirigentes, que aqui tratam “da logística, dos patrocínios, das fichas de jogo e ainda desfrutam do momento do jogo enquanto jogadores” têm como “objectivo criar formação e tentar elevar mais a equipa feminina”. O segredo das conquistas, desvendam, “é ter um grupo muito forte, com espírito de sacríficio e muita amizade”.
A liderar “um bom grupo, com miúdos novos e jogadores com experiência”, também o treinador da equipa masculina garante que “o grupo unido fez com que fosse possível ganhar”.
“Estou muito feliz e orgulhoso, especialmente dos meus jogadores porque eles têm sido fabulosos. Eu treino equipas desde os 30 anos e foi a primeira vez que senti que isto era mais que uma equipa. É uma família.” Numa entrevista atropelada pelos festejos dos jogadores, Carlos Delgado, 54 anos, não tem dúvidas que “este é o maior prémio” e não esquece “o importante apoio da família e dos amigos” nesta “difícil caminhada” desportiva de jogadores e equipa técnica.
No fundo, acrescentam as líderes da equipa feminina: “é como estar em casa”. Num Verão em que poderiam estar na praia ou simplesmente em casa a descansar, desdobram-se “em treinos até à noite e fins-de- -semana com jogos” em nome do amor ao desporto e à modalidade que abraçaram no último ano.
Brincam que Carolina Caetano, de 19 anos, tem a braçadeira de capitã, mas é a Daniela Carreira, de 37 anos, que “tem o dom da palavra e é a mãe da equipa”, mas são unânimes na importância do “espírito de família, na união na equipa e até no convívio da quarta parte”.
Conquista partilhada
Com igualdade pontual do líder da série regional, também o Grupo Recreativo Amigos da Paz (GRAP) celebra a passam à segunda fase e, sobretudo, a luta pelo regresso ao topo.
A cerca de 40 quilómetros da praia, o emblema dos Pousos, em Leiria, também já marcou a história ao ser das poucas equipas que se manteve sete anos na Elite, divisão criada em 2015.
“A evolução da modalidade e o investimento de outros clubes faz com que esta seja uma modalidade cada vez mais difícil”, explica o presidente, Manuel Faria, que mantém a aposta no futebol de praia sobretudo pelo “custo razoável da competição, a procura de jovens e a visibilidade que dá ao clube”.
Apaixonado pela modalidade, impulsionador e treinador da equipa Sandro Brito, de 40 anos, não tem dúvidas que “o GRAP é uma referência a nível nacional pelas conquistas que tem conseguido e pelo contributo que dá à modalidade”.
Uma história que começou na Nazaré
Controlam a bola no ar, fintam os adversários e finalizam num golo com pontapé de bicicleta. É uma poesia com os pés e uma bola onde nem a areia nem o excessivo sol abrandam a garra de ganhar.
O espectáculo do futebol de praia está em ‘casa’, no Estádio do Viveiro – Jordan Santos, na Nazaré, onde há uma equipa que treina sobretudo para ‘cimentar’ as conquistas de uma história com 23 anos.
Tudo começou com “um grupo de amigos que andava sempre na praia a brincar e a jogar”. Um dia decidiram organizar um torneio de 24 horas e “o sucesso foi tão grande que deu um empurrão à criação da associação”.
“O ACD Sótão foi a primeira equipa portuguesa a apostar forte no futebol de praia, durante muitos anos foi o único clube com formação na modalidade e ainda hoje é dos poucos com esta aposta, já teve 13 atletas da formação e das equipas seniores a serem chamados à selecção e muitos outros formados aqui estão noutras equipas da Elite”, sintetiza o presidente e sócio fundador sobre “o trabalho desenvolvido que tem sido reconhecido a nível nacional e internacional”.
“Sempre acreditámos que a Nazaré tinha muito potencial e que poderíamos ter um dos maiores clubes da modalidade porque passávamos a infância na praia com uma bola”, confessa João Francisco Ferreira, de 46 anos, que assume ser “muito gratificante ver como o clube cresceu, está no topo e tem conseguido aguentar as pressões depois de tantos anos a batalhar contra a falta de competições”.
Com atletas dos cinco aos quase quarenta anos, o emblema conta com 120 atletas na formação, uma equipa sénior feminina e duas masculinas. Ao ‘leme’ da formação principal está um ex-guarda redes que se estreou neste mundo há cerca de duas décadas.
“Eu vou ser muito sincero: eu gostava de jogar futebol na praia, mas não simpatizava nada com o futebol de praia”, atira entre risos João Carlos Delgado, de 50 anos, a meio do treino do final de dia desta segunda-feira. Foi com este emblema que se estreou nos torneios locais e em pouco tempo foi chamado à equipa das ‘quinas’, com a qual fez muitas internacionalizações e da qual foi capitão.
Na última década deixou as redes para liderar equipas e acabou por ser convidado pelo Sótão a voltar a casa “para ajudar a reforçar o início de um novo ciclo com uma equipa que está a trabalhar e tem a ambição de ser novamente campeã nacional”.
Da experiência que acumulou destes anos todos fica sobretudo a certeza de que “o futebol de praia é cada vez mais uma modalidade profissional”.
“A modalidade foi criada pelo telhado, com selecções nacionais e poucos torneios, mas hoje já começa a haver mais a preocupação de ter um bom torneio interno que possa fornecer jogadores à selecção nacional”.
Modalidade cresce no distrito
De acordo com os dados da Associação de Futebol de Leiria (AFL), a modalidade está a crescer no distrito: este ano há mais clubes, mais equipas e mais jogadores, tanto no masculino como no feminino, comparativamente ao último ano e ao período pré-pandémico. E Leiria destaca-se ainda com o distrito com mais equipas femininas na modalidade do País.
No total estão 204 atletas de 15 equipas a disputar as competições seniores: ACD Sótão (três equipas), Nazarenos (1), AD Nazaré 2022 (2), GRAP – Leiria (1), AR Meirinhas – Pombal (2), GD Ilha – Pombal (2), Casa Benfica – Caldas da Rainha (2) e também a nova equipa GD Vidreiros – Marinha Grande (2).
“Há clubes com actividade consolidada, novas equipas e até as câmaras municipais estão a apoiar mais a modalidade o que tem permitido aumentar a qualidade e a quantidade do futebol de praia em Leiria”, explica o presidente da AFL.
Com um cenário positivo e de expansão para o futuro, Manuel Nunes aponta o caminho através “da aposta formação, do desenvolvimento do feminino e no reforço da arbitragem”.
A aposta no crescimento do futebol de praia também está a ser feita pela Federação Portuguesa de Futebol que há três anos apostou no Canal 11 para dar projecção à modalidade e no último ano criou o primeiro Campeonato Nacional feminino. Este ano anunciou já uma alteração à competição com um novo nível. Além da Elite (primeira divisão) e do Campeonato Nacional (na primeira fase disputado em séries regionais), passa a existir um nível intermédio com uma segunda divisão nacional (com série Norte e série Sul).
No caminho pela profissionalização, fica a faltar (e tem sido pedida) a criação de cursos para treinadores profissionais da modalidade.
A voz do futebol de praia
Movido por “esta grande paixão”, acabou também por abraçar o desafio de ser narrador e comentador desportivo da modalidade. Onze anos e 1.300 comentários depois, garante, “ouvir
o genérico de entrada e a contagem decrescente até ao ‘estás no ar’ ainda representa a mesma adrenalina do primeiro jogo, curiosamente da Selecção Nacional”. Depois da Eurosport, da Sport Tv e da Eleven Sports, chegou há três anos ao Canal 11, “a casa do futebol de praia”, onde já fez perto de 500 jogos.
percurso não seria possível sem uma família incrível e uma mulher fantástica sempre a apoiar”.
Jordan Santos, o melhor do mundo
Orgulhoso da sua terra, onde começou a dar os primeiros toques de bola no areal, sublinha que “a Nazaré tem muita importância no futebol de praia, não só a nível nacional, mas também
mundial”.
“A valorização que dá a modalidade faz com que outros atletas queiram seguir este caminho e, consequentemente, a modalidade cresça ainda mais”, acrescenta.
O percurso e a dedicação do jogador foram distinguidos pelo município que passou a designar o maior palco da modalidade nacional como Estádio do Viveiro – Jordan
Santos. É aí, no areal nazareno, que a partir de hoje e ao longode todo o fim-de-semana se disputam as fases finais das competições da modalidade.