O sorriso rasgado denuncia a felicidade de quem há mais de 30 anos não entrava no Castelo de Leiria. Sentado numa ‘joelette’, uma cadeira adaptada com uma roda que é puxada e empurrada por colegas, entra pela porta principal, explora as novidades que resultaram das últimas obras, desce as escadas sem esquecer que está a meio de uma prova, repara no que mudou ao longo deste tempo e até no que teima em manter-se sempre igual.
Paraplégico há 29 anos, por causa de um acidente de viação, o leiriense Carlos Serrada garante que não tem medos e continua bastante adepto da aventura. Se antes gostava de desportos motorizados, hoje adora participar em corridas com a cadeira adaptada e a ajuda de outros atletas. E quanto mais desafiantes, melhor.
“Tenho feito várias provas pelas cidades, com escadarias e até passagens por monumentos, mas as que gostei mais foi um ‘peddy-paper’ no Osso da Baleia [concelho de Pombal] que passou pelo pinhal e tinha muitas barreiras ou outra que não me lembro bem de onde foi mas atravessou vinhas e até era preciso subir e descer obstáculos, até muros”, recorda entre risos sobre as aventuras que “deram trabalho”.
“As ‘joelettes’ quebram barreiras e dão-nos a possibilidade de poder ir a qualquer lado”, enaltece sobre a iniciativa promovida pelo NEL – Núcleo de Espeleologia de Leiria.
Aos 52 anos, este assistente operacional na área de urbanismo do município não hesita em aceitar novos desafios seja em provas de estrada, corrida ou orientação.
“Apesar de não estarmos a competir, dá sempre para sentir um pouco a sensação da competição e não queremos ser os últimos”, confessa, quem na verdade assume que nunca fica em último. Entre outros participantes e acompanhado por colegas, explica que estas iniciativas também permitem “brincar com os ‘condutores’ das ‘joelettes’ e dizer umas piadas a quem é ultrapassado ou quem ultrapassa”.
“Mas não os posso distrair muito senão ainda acontece um desastre”, brinca o piloto.
A diversão, garantem os ‘condutores’, é partilhada. “Levamos a cadeira pelos trajectos que todos os participantes fazem, mesmo aqueles que são difíceis por si só, brincamos muito no caminho e às vezes também sofremos um bocadinho a pegar a cadeira ou a passar em locais complicados, mas a dor supera-se com a felicidade dos ‘pilotos’”, conta o atleta Vítor Santos, de 56 anos.
A colaborar com as iniciativas do núcleo há cerca de uma década, não hesita em deixar de competir em provas para ajudar a fazer rolar a cadeira adaptada que carrega sorrisos.
“Temos participantes que conseguem pedir para ir e manifestam o que sentem, mas outros não conseguem e mesmo assim é visível a felicidade no sorriso e nos sons que fazem… e isso é inexplicável”, admite.
“É uma aventura e são experiências únicas”, sintetiza o representante da secção.
“O objectivo do grupo das ‘joelettes’ é transportar pessoas com dificuldade de mobilidade, paralisia cerebral ou paraplégicas, sejam jovens ou idosos, por provas de estrada e trilhos da serra onde as cadeiras de rodas por norma não chegariam”, explica António Lourenço, de 58 anos.
Com um “balanço muito positivo” da actividade, guarda na memória dos últimos anos “muitas corridas e muitos sorrisos”.
Recentemente, o grupo de atletas voluntários levou ‘pilotos’ à mítica Corrida das Fogueiras, em Peniche, à prova de atletismo que atravessou a marginal da Nazaré, à aventura do conhecido Trail de Fátima e até à corrida de Monte Real que passa pelo meio da Base Aerea n.º 5 e finta caças.