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Home Entrevista

“O Ministério Público não procurou a verdade, mas sim arranjar culpados”

Elisabete Cruz por Elisabete Cruz
Julho 16, 2020
em Entrevista
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“O Ministério Público não procurou a verdade, mas sim arranjar culpados”
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O Tribunal da Relação confirmou que não vão ser julgados pelo incêndio de Pedrógão. Por que razão foram acusados pelo Ministério Público (MP)?
Mário Cerol (MC) –
Atendendo às circunstâncias, tinha consciência desde a primeira hora que iria existir um processo judicial. O MP não procurou a verdade, procurou, como foi assumido pela senhora procuradora nas alegações do debate instrutório, movida por uma compaixão, arranjar culpados.
Sérgio Gomes (SG) – Inicialmente fui ouvido enquanto testemunha. Só uns meses mais tarde é que viria a ser acusado pelo MP. Não esperava ser acusado. Fomos acusados, porque não houve coragem para acusar quem deveria ter sido acusado. Quem deveria ter sido acusado? SG – Quem ao longo de décadas tem ignorado estas problemáticas. Quem acompanhou todo o processo instrutório percebeu que, se calhar, algumas daquelas entidades deveriam ser ‘chamadas à coacção’, mas não aquelas pessoas. Como disse o advogado de um dos arguidos: o MP fez mais 13 vítimas de Pedrógão.

A ministra da Administração Interna e o comandante da Protecção Civil também deveriam ser arguidos? SG – Quem deveria ter sido acusado, se calhar, era o próprio Estado.
MC –
Quando se fala de evacuações, por exemplo, as pessoas não estavam treinadas, não sabiam para onde ir. A resolução do Conselho de Ministros de 2014 que falava das evacuações, ficou na gaveta. Quem é que não colocou esta resolução em prática? Os políticos. Somos um bocado bola no meio das guerrilhas políticas. O Estado deveria ter assumido a responsabilidade desta situação. Foi o próprio Estado que falhou.

Sentiram-se abandonados?
S.G – Completamente abandonados. Desde todo o processo ter sido às nossas custas. Ainda hoje ninguém me ligou a congratular-se por eu ter saído do processo. Isto é sinónimo de que o Estado se quis descartar de uma responsabilidade que era dele e foi acusando até determinado patamar. Sabendo que no âmbito da Protecção Civil há uma hierarquia, quanto mais longe ficasse do decisor político tanto melhor. Nenhuma daquelas acusações faz sentido. Se acusassem, por exemplo, o senhor comandante nacional, já ficaria muito perto do próprio Estado. O acórdão da Relação refere aquilo que vínhamos a dizer desde que fomos constituídos arguidos. Ou a acusação teve um determinado objectivo, que foi não atingir determinados patamares, ou houve algum engano. Sou acusado de não ter cumprido com determinadas situações que nem sequer são da minha responsabilidade. Nas três horas e meia de declarações que prestei ao MP ainda como testemunha expliquei tudo. Se havia uma contradição em relação aquilo que eu dizia, face ao relatório da Comissão Técnica Independente e a outras informações que a procuradora tinha, só tinha de investigar. Se fosse investigar, se calhar, tinha de arrolar outras pessoas. Mas a função do MP é chegar à verdade. Não é acusar porque é mais fácil, até porque tem consequências nas nossas vidas e na sociedade. Houve mortes e tem de se acusar, mas não tem de se acusar porque parece bem para a opinião pública. O que se vai retirar disto? Em termos práticos não vai mudar nada.
MC – Pedrógão está igual ao nível do ordenamento florestal, por exemplo. Além de não termos apoio, no momento em que precisávamos de maior confiança ainda nos coagiram para pedir a demissão. Naquele momento, se o fizéssemos, era assumir uma culpa que conscientemente sabíamos que não tínhamos.

O Mário teve um processo disciplinar?
MC – Ainda tenho um processo disciplinar e recebi um louvor, quando saí.
SG – Eu tive dois processos e ambos foram arquivados. No processo instrutório esse arquivamento foi considerado pelo juiz. Mas, ignorado pelo MP. Reforçando o que disse o Mário, depois do que aconteceu, ele levou um louvor e eu fui convidado para ir para o Comando Nacional. Várias vezes fui abordado no sentido de me darem recados, a dizer que o melhor que fazia era pedir a demissão. Sempre disse: ‘durmo de consciência tranquila, fiz aquilo que estava ao meu alcance e que, na altura, estava determinado ser feito. Vou enfrentar tudo e todos, sempre com a mesma frontalidade e não vou embora enquanto isto não ficar decidido’. Não me revejo naquilo que está a ser feito hoje. Não é só Pedrógão que está igual. É o País que está pior, independentemente de terem sido feitas algumas melhorias. Hoje as pessoas já sabem o que hão-de fazer numa situação de perigo; foram feitos alguns investimentos nos meios de combate, mas não há mais nada. Temos tido sorte. Enquanto o São Pedro, que tem uma responsabilidade na ordem dos 99%, for amigo, vamos convivendo bem com aquilo que não é feito, com o crescimento da floresta e o êxodo rural. Vamos vivendo à sombra da sorte. Um dia a sorte vai-se embora e depois espero que não venham mais pessoas a sofrer o que sofremos por inércia de quem manda no País e pouco faz.

Quem é que não colocou esta resolução em prática? Os políticos. Somos um bocado bola no meio das guerrilhas políticas. O Estado deveria ter assumido a responsabilidade desta situação. Foi o próprio Estado que falhou
Mário Cerol

O Sérgio foi acusado de não pré-posicionar os meios face aos alertas de temperaturas elevadas, de accionar meios de muito longe, como a Viatura de Comando e Comunicações (VCOC) de Peniche e os meios terrestres do sul do distrito, de não ter accionado o helicóptero da Pampilhosa da Serra nem o que estava estacionado em Pombal.
SG –
Sou acusado disso por desconhecimento de quem acusa. Se quem acusou se tivesse prontificado a investigar percebia tudo isso. Não sou eu que acciono o helicóptero da Pampilhosa. Quando há um alerta de incêndio, o operador do CDOS [Comando Distrital de Operações de Socorro] tem dois minutos para validar e despachar meios. É isso que é o ataque inicial. Conforme está escrito nos relatórios, a mobilização do ataque inicial foi sem reparos. Acusa-me de mobilizar poucos meios e depois diz que mobilizo meios do sul do distrito. Há uma confusão naquilo que é a abordagem ao tema. Ainda enquanto testemunha expliquei a razão de ter mobilizado esses meios. A senhora procuradora [LER_MAIS]nunca se preocupou em saber por que foi mobilizada a VCOC de Peniche. Mas eu informo: a VCOC de Leiria estava inoperacional. A VCOC de Peniche foi mobilizada por minha iniciativa e à revelia do COS [Comandante Operações de Socorro] para o caso do incêndio ganhar outra dimensão, porque tinha de vencer duas horas de caminho. O CDOS pediu uma brigada e eu disse para mobilizarem duas porque a do sul teria de vencer a distância. Se não fosse precisa voltaria para trás. A procuradora não quis saber o que lhe disse e nem foi investigar. Claro que a Comissão Técnica Independente também tem uma força naquilo que foi a sua decisão. O relatório desta comissão refere que não mobilizei um segundo meio aéreo de ataque inicial, quando se tratava de uma freguesia prioritária. Mas, na altura as freguesias prioritárias só eram consideradas na fase Charlie do dispositivo, que era Julho, Agosto e Setembro. Relativamente ao pré-posicionamento: não foi pré-posicionado qualquer meio em Leiria, como não o foi no País. Porquê? Porque não houve um incremento de meios por parte do Estado. O Centro de Meios Aéreos mais próximo do incêndio, em Figueiró dos Vinhos, nem sequer estava operacional. Além disso, se houvesse meios nunca os colocaria em Pedrógão, que fica na ponta do distrito. Teria de ser sempre a meio. Quando falam que o ataque ampliado deveria ser mais cedo, o mesmo aconteceu aos 30 minutos, muito antes dos 90 minutos que diz a DON [Directiva Operacional Nacional ]. Até isso está mal esclarecido. Deixe-me referir mais uma coisa: quando tentei mobilizar a equipa de posto de comando, liguei para sete ou oito comandantes e nenhum estava disponível. Este é sistema que temos em Portugal. Veja-se o tempo que isso demora.

Porque é assente no voluntariado?
SG –
Exactamente. O Estado nunca quis suportar financeiramente a disponibilidade dessas pessoas. Disse em várias reuniões no comando nacional, com diferente comandantes nacionais: precisamos de ter equipas de posto de comando constituídas à nossa disposição, para quando precisarmos de os mobilizar eles estarem lá. Perdi uma imensidão de tempo à procura de três pessoas para irem constituírem o posto de comando. Em programas televisivos houve pessoas a mentir e a dizer que não lhes tinham sido pedidos meios. É mentira. Há um corpo de bombeiros do distrito que nem à área dele respondia em incêndios florestais, porque não tinha meios para sair. Esse senhor comandante, quando foi chamado enquanto testemunha, disse que ninguém lhe tinha pedido meios.

Além de não termos apoio, no momento em que precisávamos de maior confiança ainda nos coagiram para pedir a demissão. Naquele momento, se o fizéssemos, era assumir uma culpa que conscientemente sabíamos que não tínhamos
Mário Cerol

Está a falar de quem?
SG –
Do corpo de bombeiros municipal de Leiria. Obviamente ninguém lhe tinha pedido meios. Se eles não respondem no âmbito municipal, alguém lhe vai pedir meios para Pedrógão Grande? Nem o comandante da altura autorizava. Mas os meios foram pedidos. Aliás, como pode dizer isso, se os meios estiveram lá? Quando se deu aquela fatalidade, já todos os meios estavam disponíveis e não eram só os de Leiria. Eram os do País, dos espanhóis, dos franceses e dos italianos. E quando eles são necessários? Quando noutras situações se ligava aos corpos de bombeiros a pedir um veículo florestal para triangular determinada situação e nos diziam tantas vezes: o comandante não autoriza porque não tem dispositivo. Ninguém falou disso. Isto é revoltante e é fruto do sistema que temos e que está completamente ultrapassado. O pós-Pedrógão deveria ter sido aproveitado para se dar um salto qualitativo, mas acho que as coisas estão piores.

O Mário é acusado de ter errado na relocalização da VCOC e do posto de comando, tendo perdido duas horas. Neste período registaram-se inúmeros pedidos de socorro que não foram atendidos por isso.
MC –
A senhora procuradora entendeu que estava em Pedrógão às 18 horas. Passo pelas portagens de Pombal às 17:58, como confirmam os documentos. Nunca poderia estar em Pedrogão às 18 horas. Em trânsito recebo informação que o posto de comando operacional [PCO] está sem rede. Dei indicação ao CDOS, para que começassem a pensar em recolocar o PCO, que estava em Escalos Fundeiros. Encontrei-me com o senhor presidente da Câmara, com a engenheira Margarida e com a equipa de PCO. Perguntei-lhes qual o melhor sítio para instalar o PCO. Até o senhor presidente da câmara disse que já deveria ter saído dali. Foi indicado o desaterro. Apesar de estarmos em trânsito, recebemos comunicações, foram dadas indicações, e não foram duas horas. No máximo 40 minutos. Depois refere-se que o PCO teve instalado no desaterro. Nunca esteve instalado. Quando parámos no desaterro dá-se a mudança de vento e verificámos que não tínhamos condições para trabalhar ali. A engenheira Margarida indicou os estaleiros da câmara, que dista 300 metros do local onde estávamos. Montámos o PCO, tinha internet e telefone. A partir das 20:10 horas dá-se o downburst e ficámos sem comunicações. Mas foi geral, porque as estruturas arderam.

Quando as comunicações falham como gerem a situação?
MC –
Para voltar a sectorizar o incêndio e saber onde estão os meios, sem comunicações é extremamente complicado. Foi automaticamente comunicado à Autoridade. Só ao meio-dia é que começámos a ter comunicações como deve ser.

Também é referido que não efectuou um reconhecimento e uma avaliação eficazes da situação.
MC –
O reconhecimento numa situação destas é sempre feito por meio aéreo ou pelos comandantes de sector. As pessoas conhecedoras do terreno já tinham ido fazer o reconhecimento. Após eu chegar, os meios aéreos deixam de ter condições para operar devido às altas temperaturas. Tivemos logo esse constrangimento.

Por que não promoveu o corte de qualquer estrada rodoviária?
MC –
Os cortes de trânsito podem ser ordenados por nós, mas a GNR tem competência e autonomia para cortar o trânsito. Não precisa de ordens do COS. Cinco minutos antes [incêndio] tinha passado na 236-1, um carro da GNR e não havia problema nenhum. Até a Comissão Técnica Independente refere isso, por isso, digo que a senhora procuradora não procurou a descoberta da verdade material. O corte da 236-1 é impossível. Não era cortar só em Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos. Quantos acesso há àquela estrada? Muitas das pessoas que vieram a falecer vieram das aldeias, algumas até para verem o incêndio, como há testemunhos disso. Se colocássemos equipas a combater na 236-1 tinham falecido, além de não ser possível por estarem a sete quilómetros. Todos os meios que estavam empenhados, encontravam-se a fazer defesas perimétricas [às aldeias]. Não estamos a jogar playstation, onde temos várias equipas e carregamos no joystick e vai tudo para a esquerda. No incêndio de Monchique fala-se que em 24 horas arderam 2500 hectares. Marc Castellnou Ribau, o comandante de Barcelona que fazia parte da comissão técnica, escreve num artigo de opinião que, em Pedrogão arderam 3800 hectares, em 20 minutos. Aliás, ele disse-me: ‘vocês são doidos por combaterem isto’. Os meios do distrito de Leiria foram todos solicitados. Tínhamos outro incêndio em Figueiró dos Vinhos. Aliás, até sou acusado de não mobilizar meios, quando desvio um grupo de Figueiró dos Vinhos para Pedrógão Grande. Os meios foram solicitados ao comando nacional. Peço aviões, dizem que não há condições. Pedi para desviarem os aviões que estavam em Góis para fazerem uma descarga, para o incêndio não entrar na vila. Em resposta mobilizaram quatro máquinas de rasto do exército que chegaram às 6 da manhã do dia seguinte. Voltando à 236-1, é a própria comissão técnica que reconhece que o trabalho de antecipação que deveria ter sido feito, nunca poderia ter sido realizado porque não existem técnicos com competência para preverem o downburst. Admitem no relatório que as mortes na 236-1 são inevitáveis. Se estivesse lá mais gente, inclusive agentes da autoridade, também seriam vítimas. Isto não foi reflectido na ponderação por parte da senhora procuradora que deveria ter tido este cuidado. A Autoridade Nacio nal de Protecção Civil [ANPC] não nos defendeu e nada fez quando houve pessoas a con fessarem em directo que foram mobi lizados e que se recusaram a ir para o incêndio. ‘Se estavam lá os melhores não era preciso ir.’ A isso chama-se crime de omissão de auxílio. Gostava que essas pessoas defendessem o comandante Arnaut, já que não o fizeram connosco.

Como encararam o facto do presidente da Câmara de Pedrogão Grande não ter sido acusado no processo inicial, tal como os outros dois autarcas?
Independentemente da culpa, foi surpreendente.

Com os dados que existem hoje, era possível alterar as coisas?
SG –
Não se podem pôr as coisas assim. Por exemplo, não poderia receber o AROME [modelo de previsão numérica do tempo], porque ele é colocado numa aplicação da ANPC e a VCOC de Peniche tinha muitas limitações tecnológicas. Pedi várias vezes à ANPC um computador para se aceder ao AROME e a outras informações naquela viatura e nunca foi disponibilizado. Se voltássemos três anos atrás, sabendo que se ia dar aquele fenómeno, teria ligado a Espanha para meter meios de prevenção. Teria ligado ao nosso Presidente da República para não meter lá os pés. Causou uma enorme confusão. Aquele posto de comando era uma autêntica confusão. Eram os jornalistas em cima do PCO. Qualquer decisão que fosse tomada saía no imediato. Tudo o que é contrário ao que são as guidelines para funcionamento do PCO estava a acontecer ali. Fizeram-se briefings a todo o momento. As pessoas não têm noção que para preparar um briefing temos de ter pessoas a trabalhar só para isso e o incêndio não pára. Se estiverem a aparecer constantemente no posto de comando os políticos, temos de estar constantemente a dar informação a essas pessoas, mas o incêndio continua a progredir e não estamos focados nele.
MC – Ameacei abandonar o teatro de operações – já não estava a comandar – porque queriam desviar dois veículos para acompanhar o senhor Presidente da República. Então não tinha veículos para socorrer as pessoas e ia desviar viaturas? Instalámos o PCO e no momento mais crítico o oficial de ligação da GNR vai-se embora para ir buscar políticos?
SG – Voltando à pergunta, não sei se haveria grandes diferenças. Será que o Estado estava disponível para investir em meios terrestres, meios humanos e meios aéreos? Com os meios que havia e com o que existia na altura, se fosse hoje não haveria grandes diferenças. Talvez não morresse tanta gente, mas que morreria gente não tenho dúvidas.

Três anos depois alguma coisa mudou?
SG –
Há uma velha máxima que diz que os incêndios não se combatem, previnem-se. Enquanto Portugal não olhar para isto desta forma, vamos ter sempre de os combater e o combate depende de uma série de variáveis. Sempre alertei que se o combustível continuar a crescer, se não forem desobstruídos os caminhos e não for limpa a área em redor das habitações vamos ter problemas sérios. E isto aconteceu, porque se calhar Pedrógão não ardia há 30 anos e o mato foi crescendo sem ninguém fazer nada. Alguém geriu a floresta? Nem agora que ela ardeu. Se esse trabalho não for feito, vamos estar sempre dependentes da meteorologia. Se a meteorologia for má, vamos estar dependentes da resposta dos meios. Se eles chegarem rápido e debelarem a situação no início, perfeito. Se não conseguirem no ataque inicial, começa a complicar. Isto vai ser sempre assim. Em 2017, estávamos numa situação de seca desde Janeiro. Fala-se da limpeza dos matos, mas será que as pessoas que recebem 200 euros de reforma têm possibilidade de cortar o mato em Fevereiro e outra vez em Junho, como aconteceu este ano? Isto é de pessoas que olham para o seu próprio umbigo. Deram cabo de um sistema que funcionava.

Se voltássemos três anos atrás teria ligado ao nosso Presidente da República para não meter lá os pés. Causou uma enorme confusão
Sérgio Gomes

Como analisam o combate actual aos incêndios?
SG –
Este sistema esgotou. O que tenho assistido ao longo dos anos é o afundar ainda mais do próprio sistema muito por força dos intervenientes. Quando houve oportunidade dos bombeiros darem um salto qualitativo eram os próprios bombeiros – os responsáveis – que não queriam. O voluntariado deve ser valorizado num sistema onde se inclua esse voluntariado. Não podemos ter só voluntários nem só profissionais. Tem de haver um mix dos dois. Para termos qualidade, o Estado tem de pagar. Para exigir de um bombeiros voluntário tenho de lhe dar algo em troca, caso contrário vou ter cada vez menos gente e menos qualificada. Isto faz com que o sistema vá colapsar um dia. Os voluntários recebem cerca de dois euros à hora. Uma empregada de limpeza ganha três vezes isso.

O incêndio no Pinhal de Leiria, quatro meses depois de Pedrógão Grande, não gerou qualquer processo. Porquê?
MC – Nem esse, nem nenhum dos outros incêndios da zona Centro que ocorreram ao mesmo tempo de Pedrógão, onde também houve mortes. A Comissão Técnica Independente fez um relatório [Pinhal de Leiria] e nem me ouviram enquanto COS.
SG – O que fez o Estado para contrariar esse incêndio? No 15 de Outubro havia previsões daquilo que poderia acontecer e nem meios disponibilizou. Pedi meios de reforço e ninguém me deu e vêm-me falar que não pré-posicionei meios em Junho, em Pedrógão? Não sei por que é que ninguém se debruçou sobre o incêndio de 15 de Outubro, mas se calhar foi porque os culpados eram os mesmos. Felizmente não houve vítimas mortais no Pinhal de Leiria. Será que não ia recair ou avivar a memória de alguém de que era o mesmo que se tinha passado em Pedrógão? O que se fez na Mata Nacional ao longo de 30 ou 40 anos? Foi retirar pessoas, os guardas florestais e abandoná-la completamente. O que se fez em termos de planeamento? Zero. Quantos incêndios há provocados pelos cabos da EDP? E porque não se investiga isso? É sempre o maluquinho, aquele que se chateou com a mulher ou que estava em litígio com familiares. Isto deveria ser investigado.

De que forma o incêndio de Pedrógão vos marcou?
SG –
Continuo dormir de consciência perfeitamente tranquila em relação àquilo que foi o meu desempenho. Obviamente que é uma situação que nos vai marcar para a vida. Morreram muitos inocentes, uns porque foram para sítios que não deveriam ter ido, outros por desespero, porque iam a fugir. É revoltante, porque temos de associar Pedrógao àquilo que nos tentaram fazer. Toda a minha actividade, durante 34 anos, foi dedicada aos bombeiros. Pedrógão marcará para a vida e estes três anos foram inexplicáveis, que não desejo ao pior inimigo, se o tivesse. Recordo-me do meu filho dizer: ‘ ó pai se for preciso eu vou testemunhar por ti porque estavas comigo no hospital’. Isto é difícil de ouvir. Depois, sermos vítimas de um sistema e de ‘alguéns’ que quiseram que isto acontecesse. Custa-me passar em Pedrógão Grande.
MC – É uma chaga que nunca mais conseguirei apagar da minha vida, mas desde a primeira hora que tenho a consciência tranquila. Foram três anos muito difíceis, porque o julgamento público foi feito. Todos os dias era ver a nossa imagem exposta na televisão, com opiniões de vários especialistas da matéria, que se calhar nunca viram um incêndio, mas faziam julgamentos de valor. Tentei proteger a família ao máximo. Não é fácil. Era fazer uma graça quando a vontade era chorar e partir tudo. Ver que todos os anos que foram dedicados a esta causa e em que me envolvi estavam a ser postos em causa por vários comentadores. Apelidaram-nos de CODIS júnior, quando essas pessoas foram para cargos quando só tinham um ano de comandantes. Todas essas coisas mexeram bastante. Tinha muita preocupação com a minha família, nomeadamente com os meus pais. Mas as pessoas em Alcobaça conheciam- me bem e foram essenciais nessa altura, tal como os operadores e o comandante do CDOS, porque sempre confiaram em mim e esse apoio foi importante. Fiquei a detestar vários políticos, pessoas por quem até tinha alguma admiração. Vale tudo: a mentira, o maldizer, o julgamento de valores sem nos conhecerem e isso dói muito. Sendo a minha área de formação o Direito, digo que em certo momento desconfiei da justiça, porque vi alguma promiscuidade entre a política, a justiça e o próprio jornalismo. Considero que o processo não vai dar em nada. Só se for por se ter de justificar alguma coisa publicamente, pelo aparato que o senhor Presidente da República e toda a classe política criaram. Era preciso fazer sangue e não resolver o problema para que ele não volte a acontecer. Sacrificam-se dois ou três para que aos olhos da opinião pública fique resolvido.

Perfil Mário Cerol
Mário Cerol Natural de Alcobaça, aos 44 anos, a ligação de 30 anos aos bombeiros só foi quebrada no ano passado, quando deixou o cargo de 2.º comandante Operacional Distrital de Leiria para passar a exercer funções de coordenador operacional Municipal de Protecção Civil no Município da Nazaré, em Novembro de 2019. É licenciado em Direito e tem uma pós- -graduação em Incêndios Florestais. Presidente do Interact Club de Alcobaça, está ainda ligado à Associação Amigos de Cister, que se ocupa da prevenção e proteção de jovens no âmbito da toxicodependência. Foi coordenador geral e comandante dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, corporação onde iniciou o percurso como bombeiros
 
Perfil Sérgio Gomes
Ao longo dos seus 48 anos, 34 foram dedicados aos bombeiros e à Protecção Civil. O último cargo que ocupou nesta área foi de adjunto de Operações do Comando Nacional. Por não se rever no sistema abandonou o lugar e hoje dedica-se ao negócio de uma empresa na área do alojamento e restauração de que é gerente. Licenciado em Protecção Civil, com uma pós-graduação em Dinâmicas Sociais, Riscos Naturais e Tecnológicos, foi comandante distrital de Operações de Socorro de Leiria. Antes tinha sido comandante de permanência às Operações no Centro Nacional de Operações de Socorro e comandante do Corpo de Bombeiros de Óbidos. Passou pela Força Aérea e pela Marinha de Guerra.
Etiquetas: acusaçãojustiçaministério públicoprocesso pedrógão grandeprotecção civilsociedadetribunal
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