Ele chora, grita, berra e aplaude. Umas vezes de cachecol na mão, outras de peruca na cabeça, mas sempre com os olhos raiados pela adrenalina. É um verdadeiro one man show que pôs uma bancada inteira de tranquilos noruegueses a torcer por um Portugal que não pára de surpreender os mais incautos. Além de termos um jogador único, também temos um adepto especial.
A câmara vai atrás. Para o realizador das transmissões das partidas da representação lusa no Europeu de andebol, houve cinco protagonistas durante a primeira fase da prova e João Marques é um deles.
Os planos apertados, as repetições e os slow motion tiveram como interpretes prioritários o canhoto leiriense Pedro Portela, o guarda-redes Alfredo Quintana, o cérebro Rui Silva e o treinador Paulo Jorge Pereira, mas também, voilà, o tal apoiante.
Foi presidente da Sismaria, começou a jogar no Académico – como Pedro Portela – passou na Juve Lis e agora treina os escalões jovens da SIR 1.º de Maio, de Picassinos, Marinha Grande. O andebol está-lhe no sangue. Vive a modalidade como poucos. É uma paixão antiga, que permanece.

E por amá-la tanto assim não perde as grandes competições internacionais. Deixa os problemas em casa e vai assistir da primeira fila às proezas dos magos da bola na mão. Chama por eles, tira selfies na sua companhia, dá-lhes abraços.
Em Trondheim, na Noruega, é a décima vez que marca presença, entre Europeus e Mundiais, mas esta está a ser “como se fosse a primeira”. Ausente destas andanças há 14 anos, desta vez também está Portugal e João Marques assiste, embevecido.
“Estou a adorar. É uma grande emoção. Vinha para estas competições como amante da modalidade, mas agora estou como adepto. Chorei a ouvir o hino e após a vitória sobre a França estive cinco minutos com as lágrimas nos olhos. Ver Portugal a fazer história é incrível.”
“Está frio” na rua, “temperaturas a rondar os zero graus”, mas João Marques nem sente. Está ali desde o primeiro dia. Foi, até, um dos dois portugueses que esperou até à “meia-noite e meia” pela chegada da selecção à cidade norueguesa, antes de a competição se iniciar, ainda não imaginava que a coisa corresse tão bem.

“O seleccionador disse que sonhava com um lugar no 12 primeiros. Eu achava muito difícil tendo calhado no grupo de França e Noruega. Mas ele tinha razão. Ainda agora estive no hotel da selecção e o Humberto Gomes[LER_MAIS] disse-me que tínhamos a vantagem de não ter a obrigação de ganhar, que estamos mais tranquilos. Somos uma equipa muito serena e acredito que vamos chegar aos oito primeiros.”
Pedro Portela concorda. O rapazinho que corria nos intervalos dos jogos do Académico no saudoso pavilhão gimnodesportivo de Leiria fez-se um senhor atleta. Tem sido um ponderoso jogador da selecção nacional que tão boa conta tem dado.
“Depois da primeira vitória, passámos a acreditar ainda mais. Estamos orgulhosos com o que fizemos até agora, e de deixarmos os portugueses em festa, mas queremos mais”, diz, ao JORNAL DE LEIRIA.
Doutor Andebol
Ele é o doutor Andebol e enquanto trabalha, assiste, orgulhoso, às exibições dos conterrâneos. “O Portela é o maior e o João Marques um grande maluco”, diz, entre sorrisos. Poucos sabem tanto da modalidade quanto ele. Esteve em Trondheim a acompanhar a primeira fase da competição e seguiu para Malmö para o main round.
Tem uma figura única, estilo característico, inglês fluente e explica tudo o que se passa no Europeu de andebol nas redes sociais da Federação Europeia de Andebol (EHF). Como é bom e ver, o doutor Andebol é de Leiria. Chama-se Márcio Menino e é um antigo guarda-redes que acabou por acertar na profissão.
No final dos jogos entrevista os jogadores e, de permeio, explica os contextos, como vão as contas dos grupos, quem passa e quem não passa, as surpresas e as desilusões. “Adoro o que faço, porque, basicamente, sou eu.”
Mais do que um jornalista de serviço, é um verdadeiro comunicador à caça de todas as imagens improváveis em redor da competição, sejam fãs aos berros, expressões inusitadas nos bancos de suplentes ou um cumprimento efusivo entre adversários, por exemplo.
“Estou no meu mundo: andebol e comunicação, ainda por cima social media, que é o que está a bombar neste momento.” No fundo, o que Márcio Menino faz é “virar as costas ao jogo” e encher as redes sociais da EHF com “coisas divertidas”, “fotos bonitas” ou “vídeos espectaculares”.
“O objectivo é fazer uma espécie de diário para quem gosta de redes sociais e mostrar curiosidades que, normalmente, as câmaras, que estão fixas no jogo e nalguma reacção do treinador, não mostram.” Tanta conversa para quê? Afinal de contas, quem é que não conhece o Márcio Menino?
Portugisisk
Na véspera do jogo com a Bósnia, João Marques entrou num bar onde se concentra a comunidade que segue a competição. “Somos poucos portugueses e, mal entrei, os noruegueses reconheceram-me. ‘Portugisisk! Portugisisk!’ Não estão habituados a ver pessoas a seguir andebol com tanta paixão.”
Tem sido um rodopio de emoções que não passa despercebido a ninguém, nem aos jogadores. No final da partida com a bicampeã olímpica França, que Portugal venceu por 28-25, dirigiu-se ao ponta-esquerda Diogo Branquinho e agradeceu-lhe por lhe ter permitido viver um momento daqueles.
“Disse-me que eles é que tinham de me agradecer todo o apoio. Que tenho sido muito importante nas vitórias da equipa.”
Pedro Portela, marcador de dez golos no jogo com a Bósnia, confirma o apoio do conterrâneo. “O João Marques pôs uma bancada a torcer por nós. Claro que gostávamos de ter mais portugueses em Trondheim. São uma dúzia, mas têm sido incríveis e não nos tem faltado apoio e carinho”, sublinha.
Tudo isto é muito bonito, mas mais importante, contudo, é a garantia do apuramento para o main round, em Malmö, na Suécia, e um lugar nos 12 primeiros assegurado, apesar da derrota com a Noruega (28-34).
“Acreditamos neste grupo excelente que temos e acreditamos que podemos vencer qualquer equipa. Nós não somos inferiores a ninguém. Estamos ao mesmo nível dos outros, a fazer coisas bonitas, e vamos continuar a fazer mais coisas bonitas nos próximos dias”, diz o jogador, que já não vai voltar a ver João Marques na bancada.
O adepto voltou para casa no final da primeira fase. Vai descansado, por um lado, mas com a tristeza indisfarçável de não poder continuar a assistir à primeira fila aos feitos lusos. Infelizmente, para ele, há vida para lá do andebol. “Surpreendem-me pela tranquilidade e têm uma excelente equipa, com um bloco central defensivo muito forte, um ataque organizado e jogadores que olham sempre para o colectivo. Estou optimista.”
Por estes dias, o assunto desportivo, na nossa cidade, que sempre acarinhou tanto o andebol, só pode ser um. Portugal cometeu a proeza de se apurar para a segunda fase com a Noruega, deixando para trás a Bósnia e a bicampeã olímpica França, ainda por cima com o Pedro, filho do João e da Rosa, irmão do Luís, em particular destaque.
“Notamos que deixámos as outras selecções surpreendidas, mas nós sabíamos que podia ser possível. As expectativas são altas, já chegámos longe, mas o campeonato, para nós, o trabalho ainda não acabou. Igualar o melhor resultado de sempre de Portugal, o sétimo lugar, talvez seja um bom objectivo”. Pedro está confiante e até conta uma novidade. “Sabias que o Marcelo já ligou?”