O Rei que Nunca foi Rei deveria ter sido apresentado na cidade de Leiria, no Verão passado, no âmbito de uma iniciativa da Rede Cultura 2027, porém foi adiado um ano, devido à pandemia da Covid-19.
Depois de Aljubarrota 1385 é a segunda peça, com produção d’0 Nariz, grupo de teatro de Leiria, a ser estreado em dois meses.
“É um espectáculo na rua, ao ar livre, que será apresentado, nos dias 31 de Julho e 1 de Agosto, no novo anfiteatro na entrada do Castelo de Leiria, e que tem como personagem principal Nun’Álvares Pereira”, explica o encenador e director artístico d’O Nariz.
Pedro Oliveira levanta um pouco do véu que esconde a história e explica que o espectador vai deparar com alguns detalhes improváveis, fruto da sua visão artística.
“Esperar-se-ia uma certa linguagem visual na apresentação e figurinos, de acordo com o século XIV, mas, para ‘desenjoar’ optei por fazer uma espécie de viagem no tempo e alterar a localização temporal para um outro tempo. Mais especificamente, a ruralidade portuguesa, do início dos anos 60, do século XX.”
O texto de Luís Mourão foi mantido intocado, pelo que só o ano da narrativa foi mudado para 1960.
“Foi uma escolha estética. Pretendi fazer aquela personagem avançar no tempo, para uma época onde se sentia aquela zoeira dos senhores terratenentes. Nos anos 50/60 era muito marcada a relação entre os proprietários das grandes terras e os trabalhadores rurais, especialmente na zona saloia.”
Essa relação social, entre uns e outros, explica o encenador, fez-lhe recordar a ligação entre os senhores da nobreza e os servos, das classes mais desfavorecidas.
“Colocar isso nos anos 60, é dizer que a Idade Média não acabou quando pensamos, mas que muitas relações sociais e laborais se mantiveram até praticamente aos dias de hoje. Até poderia ter colocado a acção no presente por se verificar a mesma espécie de ‘obediência e temor’ que as camadas sociais mais baixas ainda têm, em relação ao patrão. Não quer dizer que estejamos pior, mas há ainda muitos sinais disso.”
No texto, a dicotomia entre quem tem e manda e entre quem não tem, não pode e é mandado, avoluma-se.
Pedro Oliveira refere que sentiu o desafio especial de fazer o texto viajar no tempo para descobrir que, afinal, não tinha de alterar nada, em relação aos idos de quatrocentros. O pouco que foi mudado foi-o de acordo com o cenário de i960, seis séculos depois, e até a linguagem utilizada é contemporânea.
A música medieval e os tambores desapareceram, substituídos por um coro feminino ucraniano de Leiria, que, normalmente, anima as celebrações religiosas ortodoxas, numa das igrejas na cidade.
Os apontamentos musicais serão, naturalmente, em ucraniano. Haverá ainda fado, pela artista Carmen Dolores, da Marinha Grande.
“Quis criar um ambiente de tasca, de campo, daquela década”, avança Pedro Oliveira. Por fim, os figurinos serão, bem visto, do mundo rural dos anos 60.
Mas voltando ao enredo. O Rei que Nunca foi Rei é Nun’Álvares Pereira, ou Nape, como foi baptizado pel’O Nariz.
Um homem que chegou a ser tanto ou mais poderoso do que o rei D. João I e, provavelmente, mais popular e catalisador de vontades.
O povo, a personagem que não se vê e de quem não se fala nos livros, adianta o encenador, tem uma importância nuclear no espectáculo, embora a narrativa assente em três episódios de diferentes fases da vida do homem que comandou os exércitos português e inglês contra as hostes de Castela e de França, num planalto junto a Porto de Mós, e que, mais tarde haveria, pela sua caridade, de ser santo da Igreja.
Participam n’O Rei que Nunca foi Rei, O Nariz, o Teatro Amador de Pombal, o Grupo de Teatro Apollo (Ourém), o Alguidar, de São Mamede (Batalha), o Trupêgo (Porto de Mós) e o Azar Teatro (Valladolid, Espanha).
Entre as curiosidades está o facto de a pandemia da Covid-19 ter obrigado a uma mudança de lugar do público e das cerca de quatro dezenas de actores.
O primeiro desceu para o espaço ocupado pelo palco, ocupando espaços fixos e distanciados, e os segundos, actuam no anfiteatro.
“Isso acabou por nos permitir criar vários patamares cénicos e níveis de representação”, explica Pedro Oliveira.
Os espectadores acompanham Nape, na juventude, após a Batalha de Aljubarrota, no início da meia-idade, e já idoso, retirado para o Convento do Carmo, em Lisboa, espaço que pagou do seu bolso, para viver a velhice.
Três actores dão corpo à personagem nos três episódios.
Luís Costa, que interpreta Nape em jovem, António Cova, Nape na meia-idade, e Humberto Pinto, o Nape idoso.
Em toda a peça, apenas uma vez se encontrarão e falarão a uma só voz.
Mas esse momento será melhor esperar e ir vê-lo nos dias 31 de Julho e 1 de Agosto.