Quatro concursos lançados no final de 2017 pela Câmara de Caldas da Rainha ficaram desertos, para “surpresa” do presidente da autarquia, Fernando Tinta Ferreira. Não são caso isolado.
Um pouco por todo o País, há cada vez mais concursos aos quais não se apresenta uma única empresa. Empresários e dirigentes apontam vários motivos, entre eles o facto de os preços serem demasiado baixos.
Em Caldas da Rainha, ficaram sem candidatos os concursos para a construção da sede do Teatro da Rainha (1,7 milhões de euros) e da USF de Santo Onofre (1,3 milhões de euros), para a requalificação da escola básica Encosta do Sol e para reabilitação urbana (cada um deles com preços a rondar os 900 mil euros).
Para Tinta Ferreira, os preços de cada um destes concursos, calculados pelos projectistas, “estão em consonância com os valores de mercado”.
O autarca reconhece que não resta alternativa a não ser lançar novos concursos com preços mais elevados, o que vai “onerar o orçamento” camarário e atrasar os trabalhos. Sendo projectos com financiamento comunitário (excepto o Teatro da Rainha), há ainda que “negociar” novos prazos com as entidades europeias.
“Com a crise, os preços foram sendo delapidados. Não podem é esses valores servir agora de base aos concursos actuais”, diz o presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, citado pelo Dinheiro Vivo.
O dirigente frisa que o número de concursos que ficam desertos vai agravar-se se os promotores das obras “não começarem a praticar preços realistas”.
“Há preços de referência em toda a Europa, só nós é que não os temos. E não se podem ir buscar os preços dos concursos de há um ou dois anos, porque esses serviram de base foi à falência de empresas. O preço base tem de ser a soma aritmética do custo dos materiais, da mão-de- obra”, entre outros aspectos, defende Reis Campos.
O dirigente receia que o lançamento de concursos com “preços irrealistas” sirva para abrir caminho aos ajustes directos. “O novo Código dos Contratos Públicos surgiu precisamente para aumentar a transparência e prevenir a corrupção e a conflitualidade. Está em vigor há três meses e estamos a começar mal. O Estado tem de dar orientações aos organismos públicos para que estabeleçam valores realistas ou a situação vai-se agudizar”, garante.
Paulo Silva Santos diz que as empresas não se apresentam a muitos concursos porque o valor base dos mesmos é baixo, por vezes não cobrindo sequer os custos que iriam ter para realizar a obra.
Por outro lado, estando o mercado mais dinâmico, com mais obras particulares e públicas, e escasseando a mão-de-obra, tentam concorrer a trabalhos onde possam “ganhar dinheiro”.
Para o empresário e presidente da Associação Regional dos Industriais de Construção e Obras Públicas de Leiria (Aricop), o valor base dos concursos devia apenas “servir como referência”, e cada empresa apresentaria o preço que entendesse, tendo em conta a classe de alvará que possui.
Actualmente, com as normas em vigor – as propostas não podem exceder o valor base do concurso – “as empresas fazem contas e quando percebem que os custos são superiores nem sequer concorrem”. Paulo Santos frisa que “as empresas têm de ganhar dinheiro”, enquanto os promotores dos concursos “querem é fazer obras baratas”.
[LER_MAIS] Por outro lado, a dificuldade em conseguir garantias bancárias estará igualmente a afastar muitas empresas dos concursos para obras públicas.
“Não podemos trabalhar abaixo dos preços de custo”, frisa Rui Matos, gerente da Matos e Neves, adiantando que quando o mercado está em baixo haverá empresas a fazê-lo, o que muda de figura quando há mais obras.
“Nos tempos de crise, os promotores reduziram o valor base e deram-se bem. Mas agora as empresas não precisam de trabalhar a perder dinheiro, por isso avaliam muito bem os concursos a que se apresentam”, aponta o empresário da Batalha.
Dono de obra é quem decide
Sem a existência de preços de referência para os concursos, há pelo menos que estabelecer o que é um valor anormalmente abaixo (para as propostas apresentadas pelos concorrentes), defende Reis Campos, que lembra que as regras anteriores permitiam a apresentação de propostas até 40% abaixo do valor base e que as empresas, “muitas vezes em situação de desespero, concorriam a qualquer custo”.
O novo Código dos Contratos Públicos (CCP) deixa ao critério dos donos de obra a tarefa de definir o que é um valor demasiado baixo para as propostas apresentadas pelos concorrentes. De acordo com o presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, a Câmara Municipal da Marinha Grande “é a primeira a fazê-lo”, estabelecendo o valor de 25% abaixo da média das propostas.
“Consideramos pertinente que se fixem regras claras e transparentes na identificação do critério de apuramento de propostas com preço anormalmente baixo. O Código dos Contratos Públicos não estabelece uma regra quantitativa. Na nossa opinião, faria sentido que o tivesse feito".
"A fixação quantitativa que efectuámos tem como propósito garantir que todos os interessados conhecem as regras que seguimos, eliminando discricionariedade nesse âmbito e garantindo que as propostas que venham a ser apresentadas são as mais adequadas para a realização da obra que estiver em causa”, explica Cidália Ferreira, presidente da câmara da cidade vidreira, que acaba de lançar novo concurso para a remodelação do Centro de Saúde, porque o primeiro ficou deserto.