A existência de pragas de moscas e cheiro nauseabundo é tão comum nos Campos do Lis que até se poderia cair na tentação de considerar tais factos como sendo “normais”.
Nas últimas semanas, contudo, o odor intenso e os irritantes insectos chegaram a Leiria, chamando a atenção de muitos para os espalhamentos de efluentes, problema que ao longo de todo o ano afecta a população residente nas localidades no Vale do Lis.
É com a chegada do calor que o incómodo se torna mais patente. “As populações de Amor e Barreiros vivem num desespero constante com a situação”, garante o presidente da Oikos – Associação de Defesa do Ambiente e do Património, de Leiria, Mário Oliveira. E, manda o senso-comum, que se aponte os suinicultores como causadores da moléstia.
Desta vez, porém, a Associação de Suinicultores de Leiria (ASL) não aceita ser bode expiatório. David Neves, presidente da ASL, garante que os espalhamentos são uma prática “ambientalmente sustentável” e que a legislação comunitária “estimula” este procedimento, rotulando-o de “prática de economia circular e de valorização agrícola”. Assegura ainda que, este ano, o espalhamento foi feito lançando mão do processo de incorporação e injecção directa em profundidade no solo.
“Sem moscas nem odores.” Então, por que razão há moscas e odores nos campos e na cidade do Lis? “Há anos que digo que nem tudo o que chega aos campos do Lis e ao Rio Lis são efluentes suinícolas”, acusa o responsável e exemplifica com casos recentes de poluição detectados na foz do rio e na Vieira de Leiria.
“Tenho fotografias de depósitos a céu aberto de coisas que nada têm a ver com as suiniculturas, embora, algumas, sejam de outros sectores da pecuária.” Sem explicar exactamente o que são as “coisas” que refere, Neves sublinha que, no seu entender, tem sido feito um trabalho exemplar pelos suinicultores da região de modo a “reduzir a poluição”.
“É um trabalho que fez com que a Ribeira dos Milagres seja agora dos afluentes mais limpos da Bacia do Lis”, argumenta. Ainda assim, reconhece, ser “preciso minimizar” o impacto dos odores e da poluição, avaliando todo o processo e com a intervenção de todos os intervenientes “de todos os sectores” e “trabalhando em conjunto”. “Nós, suinicultores, estamos já a fazê-lo!”, resume.
Quem fiscaliza as quantidades de efluente?
O espalhamento de efluentes oriundos de explorações pecuárias e, em especial de suiniculturas, é um processo especial e não deveria ser uma prática reiterada.
“Deveria ser uma solução transitória e temporária, enquanto não se criava uma Estação de Tratamento de Efluentes Suinícolas (ETES), mas passou a definitiva porque a ETES nunca vê a luz do dia! É um processo que se arrasta há 20 anos”, aponta Mário Oliveira.
Para efectuar espalhamentos, é necessária uma licença atribuída pelo Ministério do Ambiente, da qual consta uma data de validade e a quantidade de resíduo permitida por hectare. Mas, como os ambientalistas da Oikos alertam há quase duas décadas, não há controlo da quantidade depositada nos solos agrícolas da região, nem do impacto que a sobrecarga tem nos aquíferos subterrâneos ou na qualidade dos solos, cada vez mais carregados de sais.
“Se o espalhamento fosse feito uma vez por ano, respeitando todas as regras, o fósforo e azoto provenientes dos efluentes seriam excelentes fertilizantes e benéficos para a agricultura. Mas, com a repetição constante da operação, há uma alteração profunda no solo, pervertendo o efeito positivo”, explica o presidente da associação.
Mário Oliveira adianta que a quantidade excessiva também escorre para as linhas de água e rios. “Os recursos hídricos têm de ser protegidos. Isto não é apenas um problema de maus odores e moscas. O distrito cheira mal! Todo ele! Como se pode convidar pessoas a virem visitar- nos ou a irem para as Termas de Monte Real, com um cheiro fétido daqueles?”, questiona.
Já o presidente da Associação de Regantes do Vale do Lis, Uziel Carvalho, acredita que o [LER_MAIS] impacto dos espalhamentos é mais notório porque não se procede ao seu enterramento no prazo de 24 horas, estipulado na lei.
“Quanto às quantidades, na presente situação, não tenho dados que me permitam, objectivamente, pronunciar, mas, certamente, haverá quem não respeite os valores autorizados e despeje muito mais do que está autorizado.”
Questionado acerca da vegetação, em especial o canavial, que tomou conta das margens do Lis e dos seus canais, reconhece dificuldade em lutar contra a vegetação invasora.
Recentemente, garante, houve uma intervenção entre Monte Real e a Foz do Lis. “É inviável, economicamente, fazer corte mecânico a cada três ou quatro meses, pois o coberto vegetal ‘rebenta’ ainda com mais força.”
O presidente da Associação de Regantes preconiza uma solução que envolve o uso de herbicidas que, diz, são “seguros”, uma vez que são aplicados “num nível superior da margem, longe da água”.
Antibióticos na água não são analisados
O presidente da Oikos, Mário Oliveira, faz notar, que os efluentes – todos os efluentes provenientes da pecuária – contém antibióticos e medicamentos, que são adicionados às rações compostas para animais.
“Ninguém sabe qual o impacto destes produtos. Quem monitoriza os medicamentos que, acreditamos, estão a infiltrar-se na água?” Jorge Costa, delegado de saúde de Leiria, diz que a suspeita existe há muito, na comunidade científica, e não descarta uma possível ligação destas práticas agrícolas e pecuárias na crescente resistência humana aos antibióticos.
Contudo, sublinha, seriam necessários mais estudos científicos para validar a teoria e em Portugal não há laboratórios a analisar as captações de água e lençóis freáticos em busca de sinais de medicamentos e antibióticos.