Final da década de 80 do século XX, com as questões ambientais “a emergir pelo mundo e pelo Europa”, foi uma questão local que acendeu o rastilho que levaria à criação da Oikos – Associação de Defesa do Ambiente e do Património da Região de Leiria, que nasceu há 30 anos por iniciativa de um grupo de cidadãos que se insurgiu contra o traçado da A1.
A luta seria perdida, mas o movimento não baixou os braços e avançou para formalização da associação, que, desde então, se tem batido por muitas causas ambientais na região, como a qualidade da água do rio Lis e a preservação das suas margens, o Lapedo, o ordenamento do território e a luta contra a massificação do eucalipto e as podas “desastrosas” de árvores no espaço público.
A comemoração dos 30 anos da Oikos, que se assinalam este sábado, é o ponto de partida para uma viagem no tempo, conduzida pelo actual presidente, Mário Oliveira, ligado à associação há quase 25 anos. A viagem começa na primeira grande acção da instituição e que “atravessa todo o seu percurso”, que foi a realização de análises à água do Lis, o ‘rio Benetton’ como lhe chamavam então os dirigentes da Oikos, tal era a diversidade de tons que exibia, desde o vermelho do sangue proveniente do matadouro de Leiria ao castanho dos efluentes suinícolas e domésticos, passando pelo branco das lamas do corte das rochas ornamentais.
As primeiras análises tiveram lugar poucos meses depois da constituição da associação, envolvendo “muitos alunos e instituições da região”, e revelaram resultados “dramáticos, nomeadamente ao nível dos metais pesados”, recorda Mário Oliveira, contando que, uns tempos depois, haveriam de trazer a Leiria o ministro do Ambiente, Carlos Borrego, para lhe transmitir a preocupação de “viva voz”.
[LER_MAIS]A monitorização anual à qualidade da água do Lis continuou a ser feita, ininterruptamente ao longo dos 30 anos de existência da Oikos, com os resultados a evidenciarem uma melhoria “substancial”, embora “ainda longe do ideal”. Se os metais pesados, fruto do “encerramento de algumas indústrias”, passaram a estar sucessivamente abaixo dos limites legais, os níveis de contaminação fecal ainda continuam “muito acima do admissível”. Contudo, longe dos valores registados nos primeiros anos.
Voltamos a parar a fita do tempo da história da associação em 1996, quando uma acção dos ambientalistas conseguiu travar as obras no local onde dois anos depois foi encontrado o Menino do Lapedo, percebendo- se, então, que a máquina havia parado a poucos centímetros do crânio do esqueleto.
Luta contra o “arboricídio”
Seguiram-se outras batalhas, algumas das quais atravessaram grande parte do percurso da Oikos, como luta contra a massificação do eucalipto, a degradação das galerias ripícolas, com as sucessivas denúncias de limpezas das margens ribeirinhas feitas “ao arrepio das boas práticas”, recorrendo a máquinas que “rapam tudo”, com consequências para a perda de biodiversidade, erosão das margens e proliferação de invasoras.
“O Ministério do Ambiente, através dos organismos que tutela, tem tido uma prática contraditória. Por um lado publica livros e folhetos a explicar como se faz, mas depois não controla ou executa mal, como aconteceu há uns anos no troço final do Lis”, critica Mário Oliveira, que denuncia ainda o “arboricídio” perpetrado ao longo da bacia hidrográfica do Lis. “É confrangedor ver como as árvores têm sido absolutamente maltratadas, seja ao longo das linhas de água seja em espaços urbanos, com cortes e podas despropositadas.”
Nesta viagem ao passado, Mário Oliveira recorda também situações em que a associação não esteve alinhada com as posições dominantes. Foi assim com a co-inceneração, com a Oikos a defender essa solução “em fim de linha e para a pequena quantidade de resíduos que não pudesse ser tratada de outra forma”. Também contra a corrente, a associação opôs-se à construção do TGV, pelas consequências ambientais do projecto.
Da história da Oikos fazem ainda parte a realização de “inúmeras” acções de educação ambiental e parecer técnicos ou a organização de mais de meia centena de jornadas temáticas, colóquios e congressos. Trinta anos depois, o ambiente da região está melhor? “Numas áreas sim, noutras nem tanto”, responde Mário Oliveira, que reconhece que os sectores dos resíduos e do saneamento estão “indubitavelmente melhores”.
Há, contudo, áreas que continuam a marcar passo. O caso mais evidente, diz, é o do tratamento dos efluentes suinícolas. “O meu filho nasceu a ouvir dizer que ia ser encontrada uma solução para esses efluentes e construída uma ETES. Tem hoje 20 anos e esse discurso continua, proferido pelos produtores e por quem tem obrigação de exigir o cumprimento das regras e perante a demissão dos responsáveis de saúde pública”, denuncia.
Mário Oliveira deixa também um apelo para dentro de casa, desafiando os sócios da Oikos a mobilizarem-se para as eleições que irão decorrer em Março.