Será uma outra leitura da narrativa da escritora modernista inglesa que se notabilizou nos inícios do século XX, mas eu não abdico do encantamento que senti ao ler Orlando – uma Biografia.
Trata-se, de facto, da biografia de Orlando, rapaz nascido na época isabelina – ele foi “amado” pela já velha Isabel I que o fez seu tesoureiro e camareiro e lhe impôs a Ordem da Jarreteira. Atravessa o reinado de Jaime I, sucessor de Isabel I, quando se dá em Londres a grande vaga de frio que faz gelar o rio Tamisa e, “enquanto as gentes do campo padeciam da mais extrema penúria, e o tráfego dos campos se imobilizava, Londres vivia o mais brilhante dos carnavais.”
É no meio desta loucura que Orlando, jovem lindo, sensível e rico, se apaixona violentamente por uma bela princesa russa, de que nada se sabe, e que acaba por desaparecer, deixando o jovem na mais profunda melancolia. Recolhe-se à sua casa ancestral, no campo, (com 365 quartos e há mais de 400 ou 500 anos na sua família) onde cai num sono profundo que durou sete dias.
Começa a escrever um poema Carvalho – uma Tragédia, que o acompanhará até ao último dia da sua vida. Orlando debela a depressão e pede ao rei Carlos II para o enviar para Constantinopla como embaixador.Aí, no dia em que os turcos se revoltam contra o sultão, de novo cai num sono profundo de sete dias.
[LER_MAIS] Nesta altura dá-se o grande volte-face da narrativa: Orlando acorda desse seu segundo sono, mulher. Nua e… mulher. Regressa a Inglaterra em pleno século XVIII, conhece e convive com Pope e Dryden. Casa e tem filhos.
Até ao final do romance, vamos assistindo pelos olhos de Orlando, mulher, ao desenvolvimento e às mudanças sociais e culturais na Inglaterra ao longo dos séculos XIX e XX até ao dia da sua morte, quando uma Orlando muito mudada vai enterrar o seu poema Carvalho na sua propriedade no campo, junto do carvalho da sua juventude.
Foi no dia 11 de outubro de 1928. Uma narrativa cheia de ritmo, de beleza e de ironia, cujos temas dominantes são o amor e a questão do género, a que não são estranhas a magia, a feitiçaria, o sortilégio.
Só assim poderemos “entender” uma vida que dura 350 anos e um protagonista que vive homem até aos trinta anos e depois, por ironia não se sabe de que destino, um dia acorda mulher. Difícil abarcar num texto tão limitado como este, a beleza da linguagem (a tradução de Ana Luísa Faria é excelente) a fina crítica de costumes, as cogitações de Orlando sobre as diferenças de género, as suas deambulações sobre a literatura, a cultura, a sociedade inglesa, a finura da metáfora e da ironia, as fragmentações do eu, tudo amparado por uma simbologia riquíssima.
De realçar o constante e divertido diálogo do “biógrafo” com o leitor, e aquele isolado do narrador. Uma maravilha de construção.
*Professora
Texto escrito de acordo com a nova ortografia