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"Somos o pêndulo do relógio da sala que temos lá em casa. Aquele relógio chiquíssimo. Não nos vamos abanar. Subimos e voltamos a descer!" As indicações do maestro Nuno Almeida são precisas e os coralistas do Coro do Orfeão de Leiria fazem o aquecimento das vozes e do corpo com os seus exercícios especiais. Seguem cada palavra, como se fossem ordens dadas por um sargento de instrução.
"Isto não é a tropa", dispara, provocando uma explosão de riso. O sol, lá fora, já se pôs e o serão na sala do órgão do Orfeão será de trabalho árduo. "Agora, toda a gente acabou de jantar e ninguém lavou os dentes. Com a língua, comecem a tirar os pedaços de alface que ficaram presos. Mexam bem a língua."
No dia 1 de Dezembro, sexta-feira, a partir das 21:30 horas, no Convento da Portela (Franciscanos), em Leiria, o coro vai juntar-se à reactivada Orquestra Sinfónica de Leiria em palco, juntando 120 músicos e coralistas para o concerto Um Natal Português. Mas, por agora, a pressão ainda não se faz sentir e, no ensaio, os risos sucedem-se a cada novo exercício sugerido por Nuno Almeida.
O jovem maestro de 24 anos, natural da cidade do Porto, acaba os quase 20 minutos de aquecimento do mesmo modo com os começou; com boa disposição e muitas gargalhadas, após convencer os coralistas a mimetizar um peru. O concerto de Natal do Orfeão promete ter um sabor português. O peru só servirá para os ensaios.
"É autêntica gastronomia nacional", garante o maestro, socorrendo-se de mais uma metáfora gastronómica para melhor explicar o que, amanhã, o público vai poder assistir. “O menu musical será tão nacional como o bacalhau com couves da Consoada.
"É um concerto com um cardápio, cujo mote são temas da música tradicional natalícia, preparados segundo a receita de quatro 'cozinheiros' nortenhos, os maestros e compositores Eugénio Amorim, Fernando Lapa, Fernando Valente e Carlos Azevedo." A sessão musical tem a duração de 50 minutos e 33 segundos, com quatro andamentos, cada um deles, da responsabilidade de cada um dos compositores.
Esta será também uma oportunidade para assistir ao regresso da reactivada Orquestra Sinfónica de Leiria. A formação executará uma peça sinfónica Um Natal Português, onde se podem encontrar temas da Beira Alta e Beira Baixa, de Norte a Sul do País, do Natal tradicional de Arouca – Fernando Valente é natural desta vila -, com um grande trabalho coral e orquestração. "São todos temas tradicionais que, até há bem pouco tempo, eram apenas transmitidos por via oral", enfatiza Nuno Almeida.
Música a partir de Lopes-Graça e Giacometti
O espectáculo assenta no trabalho de recolha realizado por Fernando Lopes-Graça e Michel Giacometti, em meados do século XX, que deu origem ao Cancioneiro Popular Português.
Em 2001, Eugénio Amorim, à data o maestro titular do Coro da Sé do Porto, lançou aos restantes três autores, seus amigos, o desafio de conceber este concerto, com a obrigatoriedade de aproveitar "a prata da casa".
"É exactamente isso que também pretendo fazer ao colocar de pé este concerto", diz o maestro, cuja batuta orienta a Orquestra Sinfónica de Leiria. Nuno Almeida recorda que Eugénio Amorim lhe confidenciou que colocou algumas interrogações sobre se se deveria incluir no núcleo de compositores.
"Ainda bem que o fez, porque se complementam de forma ímpar." A junção dos quatro andamentos resultou numa narrativa linear contínua que faz sentido musicalmente. Texturas, harmonias e todos os detalhes encaixam como se tivessem sido obra de apenas um criador, com princípio, meio e fim, não obstante as diferentes características dos seus quatro "progenitores".
Cada um procurou encontrar, da forma que melhor soube e pôde, a tradução coral-sinfónica [LER_MAIS] das, por vezes, simples melodias populares. O “menino”, de que todas falam, é a eterna promessa do novo e da utopia. “Enquanto um menino nascer, há lugar para toda a esperança”, fizeram notar os compositores, quando apresentaram a obra pela primeira vez.
Concerto patriótico
"Foram reunidas as condições necessárias para a reactivação da Orquestra e era importante que fosse um regresso com um concerto marcante e este sê-lo-á, necessariamente. É um concerto muito patriótico. Aproveito para solicitar a presença dos leirienses no convento.
Estamos a trabalhar para eles", lembra Nuno Almeida, sublinhando que, para o regresso da Sinfónica de Leiria, contribuiu o trabalho de uma vasta equipa do Orfeão de Leiria, que incluiu o presidente, Acácio de Sousa, a Direcção Pedagógica do estabelecimento de ensino artístico, a Secretaria, os coralistas e todos os músicos envolvidos.
A orquestra conta uma grande abrangência de sonoridades. Tem uma base de cordas a que se juntam metais, madeiras e percussão e a particularidade de poder contar com uma harpa. “Isso, neste concerto, dá-lhe uma sonoridade extremamente natalícia e quase todos os andamentos têm sinos tubulares, que imitam carrilhões.
No andamento de Eugénio Amorim, integra ainda um octeto de flautas de bisel, que é um instrumento que não está associado a uma base sinfónica, mas que dá ar fantástico e selecto à formação.
Temos também um coro de pequenos cantores – o Coro de Câmara do Orfeão de Leiria – que irá cantar com o Coro do Orfeão de Leiria e estabelecerá sucessivos 'diálogos' com ele”, anuncia o maestro.
O maestro que veio do Porto
Nuno Almeida começou a estudar música com apenas 4 anos, no Instituto Orff, um estabelecimento de ensino no Porto, ligado à pedagogia infantil. Mais tarde, ingressou no Conservatório de Música da Invicta, onde começou por estudar Piano e, depois, transitou para a Classe de Órgão.
"Assim que terminei esse momento do meu percurso musical, ingressei na Universidade de Aveiro onde fiz o curso superior na vertente de Direcção, Teoria e Formação Musical, com mestrado em Direcção", recorda.
Foi maestro coadjutor, no ano lectivo de 2015/16 do Coro da Universidade de Aveiro, onde teve a oportunidade de trabalhar obras como II Sinfonia de Mahler, Requiem de F. Delius, entre outras.
Em 2016, foi desafiado a ir orientar o Coro do Orfeão de Leiria, tendo sido convidado a integrar o corpo docente da instituição, como professor de Formação Musical e Classe de Conjunto.
Bolo-rei musical
A ensaiar desde Setembro Desde Setembro que Nuno Almeida e os 120 músicos estão a preparar Um Natal Português. "O Coro do Orfeão é amador e é formado por pessoas que não têm literacia musical mas que são músicos com M grande. Sabem expressar-se e falar esta linguagem, com uma dedicação total", garante Nuno Almeida. Para ultrapassar o desafio de memorizar uma obra com 50 minutos de extensão, o trabalho-de-casa é intenso, e os coralistas socorrem-se de alguns truques. Fazem gráficos nas pauta e memorizam vozes, a partir de gravações da sua própria voz enviadas pelo maestro. "É como fazer um bolo final, um bolo-rei ou um pão-de-ló de Ovar, para celebrar o Natal da melhor forma", brinca o responsável.