Quando há um ano, a contabilista Ana Marques trocou as contas e os quadros de excel pelo cargo de assistente técnica na Câmara de Leiria estava longe de imaginar o desafio que a esperava: ser guardiã do rio Lis e das linhas de água do concelho, também com olhos postos na preservação ambiental de outras áreas do município.
Ana integra o Serviço Municipal de Vigilância Ambiental (SMVA), criado há um ano a pensar, sobretudo, na monitorização das linhas de água e que já foi chamado a intervir em mais de 250 situações.
O JORNAL DE LEIRIA acompanhou uma manhã de trabalho de uma das duas equipas do serviço. Com é habitual, a jornada começa com uma pequena reunião no gabinete das brigadas, que partilham instalações com o Serviço Municipal de Protecção Civil, em São Romão.
É preciso perceber se, nas últimas horas, houve ocorrências comunicadas às quais seja necessário acorrer. Não há. A equipa faz-se, então, ao caminho, seguindo uma das rotas pré-definidas, que abrangem “os pontos críticos” do concelho, com destaque para as linhas de água, explica Vera Guímaro, que está a terminar o curso em Engenharia do Ambiente e que faz equipa com Ana Marques.
A primeira paragem acontece junto à Ponte Euro 2004. Neste troço urbano do Lis há várias saídas de águas pluviais, que é preciso monitorizar. “Se houver problemas na rede de esgotos das urbanizações à volta, pode haver complicações”, nota Vera Guímaro. Foi, aliás, o que aconteceu em Julho do ano passado, quando o SMVA detectou uma descarga naquela zona, que se percebeu depois que teve origem no colector próximo do açude do Arrabalde e que deixou o rio Lis com a água acastanhada e cheiro a esgoto.
Desta vez, “tudo normal”. A equipa ruma agora à ribeira dos Milagres, outro ponto crítico. Segue por um caminho paralelo ao curso de água, cujas margens estão a ser limpas, o que “facilita” o trabalho de vigilância.
“Há zonas da ribeira que só agora conseguimos ver. Antes, estava tudo coberto com vegetação e era difícil detectar certas situações”, conta Ana Marques, que não tira os olhos da água, enquanto Vera divide atenções entre a condução da viatura todo-o-terreno, e a ribeira, que actualmente tem um caudal muito reduzido. Um cano tapado com vegetação, de onde sai alguma espuma com uma ligeira coloração, chama a atenção da brigada.
Ana equipa-se com galochas e entra na ribeira. Destapa o local e verifica que se trata de um “canadouro” para o encaminhamento de águas pluviais. “Não tem cheiro”, atesta, enquanto o dono de uma exploração pecuária existente nas imediações se aproxima, perguntando “se há algum problema”. As técnicas explicam que estão a verificar um cano e que não existe qualquer anomalia.
Despejos indevidos de resíduos
A abordagem da equipa por parte da população, “nem sempre com esta simpatia”, acontece “com frequência”, em muitos dos casos para tirar dúvidas relacionadas com a deposição de resíduos. Esta foi, aliás, a área que mais trabalho deu ao SMVA durante o primeiro ano. Das 254 ocorrências registadas, 75% envolveram más práticas relacionadas com resíduos.
“Apesar de o município disponibilizar um serviço gratuito, ainda se vêem muitos despejos indevidos”, constata Ana Marques, referindo que essas situações ocorrem em zonas de mata, mas também junto a ecopontos. Por isso, a rota de sexta-feira inclui também locais desses na freguesia de Milagres, que costumam ser “problemáticos”, mas que, desta feita, se apresentam “sem anomalias”.
Nessa manhã, a equipa vai ainda monitorizar os campos do Lis, onde se preparam os terrenos para as próximas culturas, com o espalhamento de chorumes, e uma ribeira nas Colmeias, onde, há tempos, detectou um cano camuflado com uma densa camada de heras e que estava a fazer despejos ilegais. “O caso foi encaminhado para a GNR, mas vamos fazendo o acompanhamento”, explica Vera Guímaro, frisando que o serviço “não tem competências de fiscalização”.
Isso mesmo é sublinhado por Luís Lopes, vereador do Ambiente. “O SMVA não é uma ‘polícia do ambiente’, nem substitui as forças de segurança e as autoridades de fiscalização existentes. A sua missão é ajudar o sistema de vigilância e complementar a acção dessas entidades”, ressalva o autarca.
O vereador realça o facto de o serviço ter respondido “a mais de uma ocorrência por dia” em 2021, o que “denota a sua necessidade e preponderância em matéria de vigilância e sustentabilidade ambiental”.
Mas, “mais do que os números”, Luís Lopes diz que o balanço do primeiro ano de actividade se deve fazer “na lógica da qualidade ambiental do concelho” e do “efeito dissuasor de más práticas” induzido pelo serviço. Segundo o vereador, no presente ano as equipas irão privilegiar “as acções pró-activas, a identificação precoce de infracções e devida resolução”.