Ruínas
Se é sempre Outono o rir das
primaveras,/ Castelos, um a
um, deixa-os cair…/ Que a
vida é um constante derruir/
De palácios do Reino das
Quimeras!
E deixa sobre as ruínas crescer
heras./ Deixa-as beijar as
pedras e florir!/Que a vida é
um contínuo destruir/ De
palácios do Reino de
Quimeras!
Deixa tombar meus rútilos
castelos!/ Tenho ainda mais
sonhos para erguê-los/Mais
altos do que as águias pelo ar!
Sonhos que tombam!
Derrocada louca!/ São como os
beijos duma linda boca!/
Sonhos!… Deixa-os tombar…
deixa-os tombar…
Florbela Espanca
Nos campos apanha-se a azeitona, os diospiros carregam as despidas árvores, os medronhos medram pequenos, a terra está seca. Chove e
não consigo dissociar a chuva da corrida que se lhe segue até ao mar, um desperdício de um recurso cada vez mais escasso e claramente um bem essencial da vida – água.
O seu território é global, estruturante, transfronteiro e simultaneamente todos nós, em cada um de nós. Nós, todos e tudo.
A água infiltra-se nos pontos altos, quando ainda permeáveis, é decantada até às cotas mais baixas, onde emerge. Quando a interacção com ela é de indiferença e enxota, encontra meios de seguir seu percurso e ou desaparece- seca, ou explode- desgelo, inundações…
As alterações climáticas, sendo uma evidência e com consequências imprevisíveis, não são passíveis de um diagnóstico certeiro.
No entanto, obrigam a uma consciência colectiva das questões essenciais e estruturantes para a sustentabilidade e qualidade do meio em que vivemos.
Hoje, cheguei ao café e tinham cortado a água sem aviso. Há já quinze dias houve aviso de corte.
Sabíamos que a horas previstas não tínhamos água. Hoje não houve aviso. Será que quem cortou a água teve consciência da importância para o normal funcionamento do organismo urbano (escolas fechadas…)?
Será que quando obrigamos a recolha de águas pluviais e mandamos para o mar, sabemos que em climas como o nosso, cada vez mais extremos, a água, esta água é fundamental, para a limpeza das ruas , para o seu sistema de segurança?
Será que sabemos que quando um de nós contamina os leitos de água está a contaminar o nível freático por cinquenta anos?
Será que quando não a usamos como suporte fluvial e marítimo sabemos que já escolheu o caminho mais curto, que abriu?
Será que tem consciência da sua importância como fonte de vida, da sua música no solo que rega, nas fontes que pontuam, ruas, praças e jardins, nos banhos públicos em falta?
Será que sabemos que a extraordinária estrutura hídrica do Vale do Lis é um recurso único de rega de todo um território?
Os caminhos que a água percorre, não sendo completamente coordenáveis ou previsíveis, têm um padrão de possibilidades que segue uma ténue linha de causa e efeito. A água é fonte de vida, essencial, estruturante e diria com vida própria.
As evidentes alterações climáticas em curso e a imprevisibidade do seu desenvolvimento implicam estratégias de mitigação e adaptação e uma consciência colectiva da sua importância – consciência civil e política.
*Arquitecta