O penhor é uma actividade muito antiga e que nunca parou. Mas tem crescido especialmente nesta fase de pandemia, não só porque muitas famílias não têm acesso ao crédito bancário, mas também porque a própria presença física no banco ficou algo dificultada com a Covid-19. Esta é a convicção do presidente da Associação de Prestamistas de Portugal.
Neste cenário, observa Luís Valente, as casas de penhores têm-se apresentado como uma alternativa para muitas pessoas, que assim, de forma mais rápida, conseguem obter crédito e dar resposta aos seus compromissos, expõe o responsável.
Nesta fase de expansão, o JORNAL DE LEIRIA foi conhecer o funcionamento do negócio, bem como as motivações de quem a ele tem recorrido.
Peças de ouro
Sara Alves e Paulo Cordeiro inauguraram a primeira Loja do Ouro em 2007 e contam actualmente com dez espaços do género na região Centro, dois dos quais em Leiria. Em breve, vão abrir uma loja de penhores em Lisboa. O negócio, percebem, flutua consoante a crise. Presentemente, em fase de pandemia, estão a retomar o crescimento e a ponderar abrir novos espaços.
No entanto, observam, dificilmente o sector irá alcançar o boom verificado em 2011, até porque nesta altura as famílias já não possuem tanto ouro, do qual se desfizeram antes, e porque as ofertas deste material precioso, nos casamentos e nos baptizados, foram perdendo expressão.
Nas suas lojas, os penhores são exclusivamente de ouro. “A peça é avaliada de acordo com a cotação do dia. Somos avaliadores licenciados pela Imprensa Nacional Casa da Moeda”, salienta Sara Alves. “E funcionamos como fiéis depositários, guardando o bem em cofre do banco”, prossegue a gerente.
No final do contrato e uma vez pagas as prestações, que incluem taxa de juro “inferior à de um cartão de crédito”, a peça volta para o cliente. “E todo o processo se rege pelas normas da Direcção-Geral de Actividades Económicas”, frisa Sara Alves.
“Mais de 90% dos nossos clientes cumpre [LER_MAIS]o pagamento durante o período fixado e recupera o artigo”, conta Paulo Cordeiro. Há quem recorra ao penhor para pagar uma conta inesperada, para fazer face à despesa de um acidente, mas também há quem o faça para conseguir entrada para comprar casa ou para fazer férias. O seu objectivo é obter empréstimo de forma mais rápida e sem burocracia, reforça o gerente.
Das louças aos electrodomésticos
Também em Leiria, a sociedade António Gonçalves Pedro funciona como loja de penhores há pelo menos 30 anos. Aceita como penhor bens muito distintos, desde “louças a recheios de casas, utensílios, roupas, tapeçarias, electrodomésticos, móveis, relógios, arte sacra, pinturas, esculturas, notas, moedas e, naturalmente, cobre, prata e ouro”.
Também neste caso, a maioria dos clientes acaba por recuperar os seus bens. “Normalmente, tal acontece quando as pessoas sentem que o valor dos bens penhorados no mercado é superior ao valor do empréstimo concedido e que conseguem colocá-los no mercado com alguma (ou com maior facilidade)”, explica a administração da António Gonçalves Pedro.
Por outro lado, acrescenta, “há outros clientes que são mais ‘fiéis’ aos bens e que logo que voltem a ter disponibilidade financeira os vêm recuperar”. Por norma, salienta a empresa, estes clientes fazem-no no final do mês, quando recebem os seus salários.
Com várias décadas de experiência no sector, a António Gonçalves Pedro reconhece que “em tempos de crise, as pessoas recorrem com mais frequência” aos seus serviços. Mas no último ano não tem sido assim para esta empresa: “tem-se notado pouca afluência devido à Covid-19”.
Mas não só. A baixa afluência, justifica, deve-se ainda “ao facto de as pessoas se terem desfeito do seu ouro (e outros metais preciosos) com a proliferação das lojas de compra de ouro pelo País fora”. Como tal, “neste momento já não dispõem destes valores para penhorar”.
Segurança e transparência
“A actividade prestamista está devidamente autorizada pela Direcção- -Geral das Actividades Económicas”, faz questão de realçar Luís Valente, presidente da APP, associação constituída há cinco anos e que integra mais de 20 empresas associadas de todo o País, algumas delas localizadas em Leiria.
Nestas lojas, o cliente pode colocar no penhor um conjunto muito diversificado de artigos, havendo no entanto algumas excepções. É o caso dos bens imóveis, dos automóveis, dos artigos militares ou dos objectos destinados ao exercício do culto público, exemplifica Luís Valente.
O bem é avaliado – sendo que o cliente pode sempre solicitar avaliação de um especialista externo – e a loja concede-lhe o empréstimo do valor correspondente, acrescido de juros. Durante o período contratualizado, o cliente vai pagando o empréstimo em prestações e o bem, que nunca deixa de lhe pertencer, fica devidamente segurado.
Uma vez paga a totalidade do empréstimo, o pertence volta às mãos do cliente, explica o presidente da APP. Na medida em que se trata de um recurso ao crédito que é “seguro”, “rápido” e que não exige do cliente o cumprimento de tantos critérios como no caso do empréstimo bancário, o público das casas de penhores é sobretudo a classe média, “que tem mais dificuldade em aceder ao crédito no banco”, expõe o representante da associação.
Mas também há quem tenha mais recursos financeiros e que opte por esta forma de empréstimo, frisa Luís Valente, apontando casos em que são colocadas no penhor obras de arte como pinturas, esculturas e até barras de ouro.
A maioria das pessoas acaba por reaver o seu bem. Mas também há casos em que o artigo avança para leilão. Também nesta fase, o processo é feito com toda a “transparência”, garante o presidente da APP, frisando que tudo é reportado à Direcção-Geral das Actividades Económicas e à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).
Crescimento, mas não muito
O presidente da APP explica que as casas de penhor têm recentemente aumentado o seu volume de negócios, embora o crescimento não vá chegar ao registado durante a crise de 2008. Porque as famílias já não possuem tanto ouro como nessa fase e porque iniciar a actividade de prestamista requer algum capital.
E deixa um alerta: “O sector sofre uma forte concorrência, quer da actividade de compra e venda de ouro, quer de outras actividades relacionadas, que têm como objecto o ouro, e que ainda não estão regulamentadas”.
Paulo Cordeiro, da Loja do Ouro, também alerta o consumidor para que não faça penhores “encapuçados” em casas não credenciadas, pois além de não ter protecção se algo correr mal, paga juros superiores aos estabelecidos por lei. É o caso das vendas com opção de compra, aponta.