A ideia que passou para a opinião pública é que o PS respeitaria as regras europeias, mas não seria mais o “bom aluno” da Europa. O programa económico do XXI Governo Constitucional, preparado por um grupo de 12 economista do PS e independentes, marcava uma diferença em relação ao programa do Governo PSD/CDS.
A estratégia orçamental desse grupo, e por conseguinte do PS, em parte, foi beber inspiração a uma tese simples, mas crucial, de Paulo Trigo Pereira, de 2014, segundo a qual o Documento de Estratégia Orçamental do XIX Governo Constitucional e, mais tarde, o respectivo Programa de Estabilidade 2015/2019, ia para além do exigível pelas regras europeias (Tratado Orçamental) e, por conseguinte, que era possível cumprir as regras europeias adoptando uma estratégia de consolidação orçamental menos ambiciosa – com défices orçamentais mais altos, chegando, em 2019, a uma diferença de 1,7 pontos percentuais do PIB em relação aos planos do Governo PSD/CDS.
O grupo de economistas do PS desenvolveu uma proposta macroeconómica do Governo com base nessa estratégia e apresentou o seu trabalho com base em projecções de um modelo macroeconómico próprio.
A proposta de Orçamento de 2016, apresentada com base no programa de Governo, previa um défice de 2,2% do PIB – o Governo teve de ceder algo à Comissão Europeia no objectivo para o défice, que poderia ir até 2,5% do PIB sem necessidade de medidas de austeridade adicionais, ou seja, cerca de 0,7 pontos percentuais do PIB acima do objectivo definido pelo anterior Governo no Programa de Estabilidade do ano anterior.
[LER_MAIS] Com este enquadramento orçamental negociado com Bruxelas foi possível evitar medidas de austeridade adicionais no OE 2016, que poderiam ter colocado em causa a retoma da economia; repor, em parte, salários e pensões; e aumentar o salário mínimo, entre outras medidas.
Os resultados são conhecidos. O défice ficou, para já, em 2% do PIB. A taxa de desemprego baixou, sendo certo que todos estes resultados beneficiaram duma conjuntura externa muito favorável. Dado esse contexto e essa estratégia apresentada aos portugueses, parece ser um lapso o Programa de Estabilidade de 2017/2021 apresentado no passado dia 13 de Abril pelo Governo.
Isto porque o Programa de Estabilidade 2017/2021 abandona a estratégia inicial e vai muito para além do exigível pelo Tratado Orçamental, apresentando uma trajectória de consolidação orçamental ambiciosa, com o saldo orçamental global e primário (antes da despesa com juros) a atingir 1,3% e 4,9% do PIB em 2021, respectivamente.
Por um lado, afigura-se que não faz sentido que o Governo defina objectivos tão ambiciosos para o saldo orçamental de +0,25% do PIB potencial em 2021, uma vez que a CE fará a revisão dos objectivos de médio prazo em 2018.
Por outro, seria razoável que o Governo apresentasse uma proposta inicial o mais afastada possível da posição da CE para que, do processo negocial, resultassem objectivos para a consolidação orçamental menos ambiciosos, na continuação da estratégia orçamental adoptada, com sucesso, pelo Governo nas negociações do OE/2016.
Acresce que a melhoria do saldo estrutural em 2018, 2019 e 2020, de 0,6 ou 0,5 pontos percentuais do PIB, apresentada no Programa de Estabilidade de 2017/2021, é superior à proposta no Orçamento de 2017 e às registadas em 2016 e 2015. Ou seja, o Governo presta-se a ser acusado, como o Governo anterior, de querer ser um “bom aluno” e de querer ir muito além da troika.
*Jornalista