Um acidente, ocorrido no Natal de 1972, mudou-lhe a vida para sempre, mas não lhe cerceou a determinação de ajudar os outros. Paraplégico há 47 anos, Manuel Sousa tem, ao longo dos anos, feito a manutenção e adaptação de muitas cadeiras de rodas, quer para atletas de desporto adaptado, como ele, quer para idosos. Fá-lo gratuitamente, pelo gosto de contribuir para a “melhoria da qualidade de vida” de quem o rodeia.
A primeira adaptação foi para ele próprio, com a transformação de uma cadeira de rodas para fazer corridas. Natural de Maceira, Leiria, conta que, depois do acidente e do trabalho de reabilitação em Alcoitão, com a constatação de que não voltaria a andar, passou por uma fase de revolta, que o levou por caminhos tortuosos.
O desporto adaptado acabou por o ajudar a sair do abismo onde o álcool e a droga o haviam conduzido. “Em Alcoitão, já tinha feito parte das equipas deles. Mas, naquela fase menos boa, tudo ficou para trás. Quando recuperei, voltei a interessar-me pelo desporto. Mas não havia dinheiro para uma cadeira própria. Era preciso improvisar”, conta.
Depois da adaptação dessa primeira cadeira, Manuel Sousa fez muitas corridas de estrada e participou nas mini e maratona de Lisboa e em várias provas no estrangeiro. “Em Lisboa cheguei a correr clandestino. Eu e uns colegas fizemos a inscrição, levantámos o dorsal, mas quando nos posicionámos na partida, os juízes da prova disseram-nos que não podíamos participar e mandaram-nos sair”. Uma ordem que não foi acatada. “Corremos misturados com os caminhantes.”
O contacto que ia tendo com atletas estrangeiros permitia-lhe também apurar a técnica usada na adaptação das cadeiras. “Eles tinham Ferraris. Nós, os portugueses, tínhamos Fiat 600. Via aquelas máquinas e ia fazendo modificações na minha e nas dos meus colegas”, conta, reconhecendo que a experiência profissional que tinha como torneiro de moldes se revelou uma grande ajuda neste trabalho, que exige “muita” precisão.
“Um desvio de um milímetro no centro, acaba por se transformar em centímetros na ponta da peça, o que pode fazer diferença”, exemplifica, apontando para a cadeira que se encontra na bancada da oficina, o trabalho que tem agora em mãos. Será a adaptação de um equipamento para um jovem que irá integrar a equipa de basquetebol da Associação Portuguesa de Deficientes – Delegação Distrital de Leiria. “Já começou com os treinos, mas percebemos que não consegue chegar muito à frente com as mãos porque a perna esquerda não dobra. É preciso adaptar”, explica Manuel Sousa, de 67 anos.
Na semana anterior, fez uma intervenção na cadeira de uma idosa, reforçando-lhe a segurança para os banhos. Esta foi mais uma necessidade identificada pela amiga Noémia Santos, uma cuidadora informal que lhe vai sinalizando as situações. “Não faço nada de especial. Apenas dou um pouco de mim e ponho o que sei fazer ao serviço dos outros”, diz, frisando que também ele sai a ganhar. É que os trabalhos de reparação permitem-lhe também fazer algo que gosta muito: “conversar com os mais velhos e ouvir as suas histórias”.