Quando se transforma em DJ e troca sons para os amigos, Eneida Lombe Tavares adopta o nome Pangeia, como o continente que, de acordo com a ciência, reunia em si todos os outros. “Tanto posso pôr uma música turca como posso ir à Colômbia, é assim uma mixórdia”.
A designer é ela própria o produto de culturas diferentes, a unir os vértices do triângulo Portugal, Angola e Cabo Verde, que inspira a colecção Caruma.
“É um projecto que saiu da tese, no final do mestrado”, explica. “O meu tema base era a pesquisa de materiais e técnicas que me aproximassem de certa maneira às minhas raízes biológicas, em diálogo com o contexto português, que é onde nasci, onde cresci”.
Descendente de famílias africanas, mas natural do Barreiro, no distrito de Setúbal, não conhece Angola e só por uma vez pisou Cabo Verde, em 2014. “Se calhar, quase todos os filhos de imigrantes sentirão o mesmo: sou daqui mas não sou daqui, sou de lá mas também não sou de lá. É um resultado híbrido, porque não sinto que pertença a lado nenhum, que me encaixe completamente em nenhum dos lados, para dizer a verdade”.
Tal como quando junta músicas de proveniências improváveis, também nos vasos e jarras da série Caruma Eneida Lombe Tavares está a ensaiar um território onde cabem todos os países, ou seja, “a trabalhar sobre paisagens imaginárias”.
Por não querer “um resgate mimético”, casa as técnicas de uma geografia com as matérias-primas de outra, por exemplo, ao recriar a cestaria angolana (espiral cosida) com agulhas de pinheiro bravo que lembram a Mata Nacional de Leiria.
A interligação fica completa com a utilização da faiança, como dois membros do mesmo corpo, tecidos à mão. Meio cerâmica do Oeste, meio artesanato de África.
E a mesclagem que coloca em primeiro plano, entre cerâmica e cestaria, entre o que está próximo e o que está distante, mão com mão, transforma-se numa relação de dependência e numa conversa intercultural através do objecto.
Com a Caruma, esteve em Setembro na exposição Homo Faber, em Veneza, integrada numa selecção de artesãos e designers portugueses.
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Outro momento importante no percurso foi a exposição Tanto Mar, também no ano passado, organizada pelo museu Mude, que lhe adquiriu algumas peças.
São seis pisos, sem elevador, para chegar ao ateliê no edifício Silos, em Caldas da Rainha, que partilha com outro designer, Jorge Carreira – juntos formam a dupla Estúdio Mulato. Eles e outros antigos alunos da ESAD.CR, da mesma geração, em alguns casos editados pela Vicara, de Leiria, têm em comum “uma forte ligação aos materiais”, o gosto pelo “feito à mão” e “algum controlo sobre grande parte do processo produtivo”, acredita Eneida Lombe Tavares, que é também, desde há meses, a presidente da ADOC, uma nova associação criada precisamente para promover design, ofícios e cultura.
O vidro, o bunho e o abajur. Ou escultura? As criações de Eneida Lombe Tavares já chegaram a clientes de França, Estados Unidos e Emirados Árabes, levando longe o conceito de união entre duas realidades diferentes. Além da série Caruma, que junta cerâmica e cestaria, a designer reflecte sobre a dicotomia entre público e privado (e entre individual e colectivo) no projecto Companheiro, um prato para ser partilhado, enquanto na exposição Ex-Optico trabalhou a relocalização de África para a Europa.
Actualmente, em desenvolvimento no ateliê, há um recipiente de vidro com revestimento de bunho e um possível abajur em junco – ou escultura, está por decidir.
“Os materiais condicionam os processos” e é ela que encaixa nas possibilidades. “Nós é que temos de nos adaptar à forma como reagem à nossa acção”, explica.
Eneida Lombe Tavares, 29 anos, nasceu no Barreiro mas fixou-se em Caldas da Rainha desde 2008. Licenciada em Design Industrial pela ESAD.CR, com mestrado em Design de Produto, tem ateliê no edifício Silos e forma com Jorge Carreira a dupla Estúdio Mulato. Colabora com a editora Vicara (de Leiria) e com o Estúdio Caldas da Rainha. Representada na colecção do museu Mude, destaca, entre várias mostras, o evento Homo Faber (em Veneza), a exposição Tanto Mar em Lisboa (também 2018) e a exposição Primeira Escolha, com curadoria de Fernando Brízio (2016).